Cinco notas sobre o GP do Bahrain

1 – A FERRARI É CANDIDATA AO TÍTULO

Quando a Ferrari apresentou ao mundo o F1-75, vários analistas consideraram que os engenheiros da marca italiana tinham sido pouco ambiciosos na interpretação dos novos regulamentos técnicos. De facto, se colocarmos o F1-75 ao lado do protótipo que o grupo técnico da F1 apresentou no GP de Inglaterra do ano passado para mostrar aos fãs o que poderiam esperar dos novos carros, verificamos que o Red Bull RB18 e o Mercedes W13 são conceitos bastante mais radicais.

Todavia, quando terminou o primeiro dia de testes de pré-temporada em Barcelona a Ferrari tinha despertado o interesse de todo o “paddock”.

Concluídos os seis dias de testes, três em Barcelona e outros três no Bahrain, a Ferrari fora a equipa que mais quilómetros realizara, 3.941 km, seguida pela Mercedes, 3.920 km, com a vantagem de não ter sofrido nenhum problema técnico que inspirasse. Tendo em conta o binómio fiabilidade e performance a equipa italiana tinha deixado os adversários impressionados.

A principal dúvida consistia em saber quem entraria mais forte no campeonato, Ferrari ou Red Bull? Por isso, não foi uma surpresa a dobradinha conseguida no GP do Bahrain.

Na batalha Ferrari/Red Bull, o “first blood” vai para os italianos.

Novos carros da F1 2022 – Ferrari F1-75 – World of Motorsport

 

2 – VAI DEMORAR ATÉ AS EQUIPAS DOMINAREM TODOS OS ASPECTOS DOS NOVOS MONOLUGARES.

No texto de apresentação da nova temporada fiz referência às mudanças regulamentares que visaram alterar a aerodinâmica dos carros. Todas as equipas reconhecem que ainda estão muito longe de dominar estes carros, e precisam de mais tempo e informação. Para além da questão aerodinâmica, a mudança nos pneus Pirelli P Zero de 13 para 18 polegadas, modificou toda a filosofia que estava convencionada na afinação do conjunto suspensão, amortecedores, barra estabilizadora e diferencial.

Outra importante alteração está relacionada com a gasolina. Para reduzir a pegada carbónica o “fuel” deixou a norma E05, substituindo-a pela norma E10 que contém 10% de etanol e reduz a emissão de CO2 para a atmosfera. Esta mudança, que parece não ter grande importância, obrigou os quatro fabricantes de motores, Ferrari, Mercedes, Renault, e Red Bull (Honda), a construírem unidades de potência totalmente novas, porque a gasolina E10 reage de forma muito diferente quando comparada com a E05.

Esta nova gasolina opera a uma temperatura consideravelmente mais alta que a usada anteriormente.

O problema que afectou os dois Red Bull, está relacionada com as altas temperaturas que esta gasolina trabalha. À medida que o depósito onde a gasolina está armazenada vai ficando vazio, a acumulação dos gases produz um aumento da pressão e por consequência a temperatura sobe para valores muito altos. Em resultado dessa alta temperatura e da pressão que causou na bomba ejectora, esta entrou em rotura e cortou o fornecimento de gasolina ao motor nos dois carros da equipa.

Com o Alpha Tauri de Pierre Gasly o problema deveu-se à insuficiente refrigeração do motor híbrido, que acabou por incendiar também devido às altas temperaturas.

A Mercedes continua a sofrer de “porpoising”, uma consequência do “efeito-solo” que provoca oscilações na frente e traseira do carro, quando este atinge velocidades elevadas. E a solução não está para breve. O W13 é cerca de 0,8s por volta mais lento que F1-75 e o RB18.

Há ainda a acrescentar que praticamente todos os pilotos reportaram terem sido instruídos pelos seus engenheiros em determinadas fases da corrida para fazerem “lift-and-coast”, com o objectivo de baixarem a temperatura dos travões e/ou motor.

Numa volta à pista em condições normais, os pilotos diminuem a pressão sobre acelerador apenas quando chegam ao ponto de travagem e por breves instantes, modelando a aceleração enquanto travam para manter as rotações num regime elevado de forma a ganharem rapidamente velocidade à saída da curva. No “lift-and-coast”, retiram totalmente o pé do acelerador ainda antes do ponto ideal de travagem, e só voltam a acelerar à saída da curva, permitindo assim diminuir o esforço sobre travões/motor.

F1: Tudo o que precisas de saber

 

3 – CONFIRMA-SE. ESTES CARROS SÃO EM MÉDIA 2 SEGUNDOS MAIS LENTOS QUE A GERAÇÃO ANTERIOR.

Quando o grupo de trabalho da FIA apresentou o protótipo do monolugar de 2022, reconheceu que numa fase inicial seriam mais lentos que os carros de 2021.

Como referido as equipas ainda vão demorar a dominar todas as vertentes destes novos monolugares, sucedeu algo de semelhante com a mudança regulamentar de 2014, por outro lado apesar dos motores de 2022 continuarem a debitar uma potência em torno dos 1.000cv, a forma como disponibilizam toda a performance também mudou, e vai requer aprendizagem para os desenvolver e ajustar os mapas do motor. Há ainda a questão do “efeito solo” que nas curvas de baixa velocidade produz muito menos aderência, com os carros perderem velocidade significativa quando comparado com os da anterior geração.

Veja-se a título de exemplo a evolução dos tempos para a pole-position na pista de Silverstone:

  • 2013 (Motores V8 3.0, combustão): 1.29,607s, Lewis Hamilton – Mercedes
  • 2015 (Motores V6 1.5 Bi-Turbo, Híbridos): 1.32,248s, Lewis Hamilton – Mercedes
  • 2021 (Motores V6 1.5 Bi-Turbo, Híbridos): 1.23,134s, Lewis Hamilton – Mercedes

Se comparáramos os tempos em 2021, da “pole-position” e volta mais rápida no Bahrain, com os desta temporada, as diferenças vão de encontro ao previsto pela F1.

  • 2021 Pole Position: 1.28,997s, Max Verstappen – Red Bull Honda
  • 2022 Pole Position: 1.30,558s, Charles Leclerc – Ferrari

+1.561s

 

  • 2021 Volta Mais Rápida: 1.32,090s, Valtteri Bottas – Mercedes
  • 2022 Volta Mais Rápida: 1.34,570s, Charles Leclerc – Ferrari

+2,480s

Hamilton faz melhor tempo da pré-temporada da F1 2022, em último dia |  fórmula 1 | ge

4 – “PIT-STOPS” ABAIXO DOS 2 SEGUNDOS, PARA JÁ, VÃO SER UMA MIRAGEM.

A vida para os mecânicos ficou mais difícil em 2022. Os carros são agora 46kg mais pesados (aumentaram de 752kg para 798kg), e parte considerável deste aumento de peso deve-se à alteração do perfil do pneu que apesar de conservarem a mesma largura (305mm à frente, 405mm atrás), são agora mais altos, 660mm para 720mm.

Além disso, os novos tampões que cobrem a totalidade da jante para ajudar à refrigeração dos travões e a pequena asa colocada por cima dos pneus dianteiros que têm como função direccionar o ar para fora do carro para não perturbar o desempenho da asa traseira, vieram adicionar novos desafios às equipas de mecânicos responsáveis pelas mudanças de pneus durante a corrida.

Os novos pneumáticos sem jante, pesam mais 2,5kg à frente e 3kg atrás. Para se ter uma ideia, sem jante, o pneu Pirelli de 2022 na frente pesa 11kg, e o traseiro 14,5kg. Com jante o traseiro ultrapassa os 20kg.

A mudança dos quatro pneus é treinada e coreografada até à exaustão. A Red Bull especializou-se em conseguir a proeza de efectuar essa operação abaixo dos 2 segundos. Pertence-lhe o recorde com 1,82s, conseguido no GP do Brasil em 2019 no carro de Max Verstappen.

Não é difícil imaginar a força de braços que um mecânico responsável por retirar e colocar o pneu no carro durante um “pit-stop” tem de ter para realizar esta operação, numa fracção de segundo, de joelhos e só podendo mover o tronco. Não admira que Christian Horner (Team Principal & CEO da Red Bull Racing) tenha dito no lançamento desta temporada quando se referia a este tema, que os seus mecânicos passavam agora mais tempo no ginásio e pareciam halterofilistas.

O “pit-stop” mais rápido pertenceu à McLaren, com 2,31s no carro de Daniel Ricciardo. A Red Bull fez o 8º melhor tempo – 2,62s – no carro de Max Verstappen. A média ficou-se pelo 2,5s.

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5 – A McLAREN TEM MUITO TRABALHO PELA FRENTE, MAS A TEMPORADA ESTÁ LONGE DE ESTAR PERDIDA.

A McLaren ainda não tem toda a estrutura necessária para lutar com as mesmas armas da Red Bull, Mercedes e Ferrari. Em 2023 termina a construção de um novo túnel de vento e do simulador de última geração, essenciais para dar o passo que falta e assumir-se como candidata ao título mundial.

No final dos 3 dias de testes em Barcelona, a McLaren estava confiante que o MCL36 estaria à altura do desafio, e mais perto do topo da classificação.

Contudo, duas semanas depois, nas primeiras horas dos testes no Bahrain os travões do McLaren quase pegaram fogo. A equipa acabara de descobrir um erro fundamental no desenho das condutas de ar para refrigerar os travões.

Essas entradas eram demasiado estreitas e estavam ligeiramente obstruídas pelos braços das suspensões. Em Barcelona, onde a temperatura ambiente raramente excedeu os 20 graus esse problema não foi detetado. Mas chegados ao Bahrain, com as temperaturas a aproximarem-se dos 30 graus, o problema ficou exposto de forma dramática.

Devido a este problema, todo o programa de desenvolvimento que a McLaren tinha planeado com vista à preparação do primeiro grande prémio da temporada ficou comprometido.

Lando Norris, que esteve de serviço ao longo dos três dias devido ao teste positivo à COVID-19 de Daniel Ricciardo, ficou limitado a curtas saídas para a pista, com o máximo de 7/8 voltas, para regressar à boxe e aguardar que a temperatura dos travões descessem para os valores recomendados.

Apesar do esforço para tentar resolver o problema, primeiro improvisando cortes nas condutas de ar, e depois colocando no carro uma solução temporária que voou em tempo recorde da fábrica em Woking, Inglaterra para o Bahrain e foi usada no terceiro e último dia de testes.

Fruto deste problema, a McLaren só completou 200 voltas ao longo dos três dias. O valor mais baixo das 10 equipas presentes. A Mercedes fez 385 voltas, a Ferrari concluiu os três dias com 349 e a Red Bull chegou às 320.

Andreas Seidl, Team Principal da McLaren, não escondeu o desapontamento pelo sucedido depois dos 3 dias muitos positivos em Barcelona, e reconheceu que a equipa não estava totalmente preparada para iniciar o campeonato.

Não foi por isso uma surpresa as dificuldades reveladas no GP do Bahrain. Para além dos problemas de sobreaquecimento dos travões, os pilotos relataram falta de “mechanical-grip”, aderência à pista gerada pela afinação da suspensão, amortecedores e diferencial, que se traduz na dificuldade em colocar os pneus Pirelli na janela de temperatura ideal, comprometendo a performance.

O MCL36 já demonstrou ter qualidades para ser bem mais competitivo, e em Woking trabalha-se a todo o vapor para recuperar o tempo perdido.

Com ainda 22 Grandes Prémios por realizar, e gente de muita qualidade no seio da equipa, seria um erro considerar que a temporada está perdida.

McLaren – F1 Racing Team – Ricciardo, Norris

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