Fuga para a Vitória (1981)

Em 1943, na cidade de Kiev, então ocupada pelos Nazis, um grupo de prisioneiros ucranianos participou num jogo de futebol contra uma equipa formada por militares alemães; avisados de que se ganhassem seriam executados, os jogadores ucranianos optaram por ignorar a ameaça e ganharam a partida, sendo que vários foram depois mortos em retaliação, no evento que ficou conhecido como o Jogo da Morte. É uma história de coragem, resistência… e muito provavelmente nunca aconteceu.

Na realidade, prisioneiros de guerra venceram uma série de jogos contra soldados alemães, tendo alguns acabado presos pela Gestapo ou mortos, mas não como resultado dos jogos disputados. A máquina de propaganda soviética do pós-guerra pegou nessa história e transformou-a no mito acima descrito, foram atribuídas medalhas aos bravos jogadores que perderam a vida por resistirem ao inimigo fascista e ainda hoje o mito do Jogo da Morte faz parte da identidade nacionalista ucraniana. E sejamos sinceros, é de facto uma boa história; tão boa que o Cinema deu-nos não uma ou duas, mas sete (!) adaptações do mito do Jogo da Morte, uma das quais uma comédia com o Adam Sandler (mas isso é uma triste história para outro dia…).

Fuga para a Vitória, de 1981 (Victory no original), é a segunda dessas adaptações, na qual o major nazi/antigo jogador de futebol Max von Sydow, numa visita a um campo de prisioneiros, reconhece Michael Caine, antigo jogador inglês, e propõe-lhe a realização de uma partida amigável entre soldados alemães e os presos. As autoridades nazis pegam na ideia, mudam o jogo para Paris, só que em vez de soldados, os prisioneiros vão agora jogar contra uma equipa de profissionais. Felizmente para Michael Caine, entre os prisioneiros estão as lendas do futebol Bobby Moore, Osvaldo Ardiles e Pelé, já para não falar de Sylvester Stallone que, como bom americano que é, acha que o futebol é coisa para miúdas, mas vê no jogo uma oportunidade para fugir do campo nazi e põe em prática um plano de fuga, inicialmente apenas para ele, mas depois também para todos os restantes jogadores (os personagens têm nomes, mas o filme dá-lhes tanta importância como eu dei acima).

Com quase duas horas de duração e um elenco cheio de antigas glórias do futebol, tanto do lado dos prisioneiros como da equipa alemã, Fuga para a Vitória não é recordado como um grande clássico ou sequer como um filme de culto, sendo mais uma curiosidade histórica nas carreiras de Sydow, Caine e Stallone, este último na fase ascendente da sua carreira (no ano seguinte estrearia Rocky III e o primeiro filme da série Rambo).

Como muitos dos filmes sobre a 2ª Guerra Mundial na era pré O Resgaste do Soldado Ryan, Fuga para a Vitória pode parecer um filme demasiado light tendo em conta o tema: o campo de prisioneiros mais parece um acampamento de férias para adultos, a guerra um duelo de cavalheiros, muitas sessões de treino de futebol, meia hora ali no meio de fuga E regresso ao campo por parte de um dos prisioneiros, uma (breve) menção aos horrores dos campos de concentração, mas no fim do dia a única coisa que importa é o jogo de futebol que serve de climax ao filme.

O jogo em que um pontapé de bicicleta de Pelé consegue comover até o major alemão que se levanta para o aplaudir, em que a equipa de prisioneiros desiste do seu plano de fuga porque sabem que conseguem vencer o jogo apesar de tudo estar contra eles, e em que no final (SPOILERS para um filme com 40 anos) o que os salva é a multidão de espetadores que, perante a magnifica exibição da equipa, invade o campo, dá-lhes as suas roupas e os leva para fora do estádio, perante o olhar chocado dos nazis em geral e de um Max Von Sydow com um meio sorriso entre a surpresa e um “ah seus magníficos sacanas”.

É difícil olhar para este filme hoje e não deixar o nosso cinismo de 2021 fazer-nos revirar os olhos com esta visão cor de rosa do futebol (e da guerra) e mesmo para fãs do desporto rei a oportunidade de ver algumas velhas glórias do futebol não compensa a hora e meia até lá chegar, mas ao mesmo tempo é difícil não admirar o idealismo com que o filme vê o desporto como um duelo de cavalheiros, em que coragem e determinação podem valer tudo.

Será que o futebol alguma vez foi este ideal romântico de desportivismo e camaradagem que Fuga para a Vitória quer fazer crer? Talvez sim, talvez não, mas tal como o mito do Jogo da Morte, lá que é uma boa história é…

 

 

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