O Norwich de Daniel Farke

Poucos treinadores sobrevivem a uma descida de divisão. Menos ainda, após passar a época inteira nos lugares de despromoção, mas no caso do Norwich, despedir Daniel Farke nunca foi uma opção, sendo essa fé recompensada, com mais uma brilhante época no Championship e a subida de divisão.

O clube esteve perto de falir em 1995, pedindo ajuda à sua adepta mais mediática, Delia Smith, uma estrela dos programas de culinária britânicos (para percebermos o impacto disto à época, imaginem Filipa Vacondeus a adquirir uma parte do Belenenses ou do Atlético Clube de Portugal!). O clube foi assim adquirido por Delia e o marido Michael Wynn-Jones, que com uma fortuna avaliada pouco mais de 20 milhões de libras, estão muito longe dos petrodólares e fundos orientais que dominam a Premier League.

Desde então, o sucesso do clube tem sido oscilante, com algumas presenças breves na Premier League e pouco mais a ser digno de nota. A mudança no rumo do clube surge em Abril de 2017 com a contratação de Stuart Webber, para diretor desportivo (um dos principais obreiros da subida do Huddersfield Town na época anterior).

Webber defende que o principal objetivo do clube é, mais do a Premier League, a sustentabilidade do projeto a longo prazo, para que se possa tornar competitivo, sem injeções de capital, ficando dependente da boa vontade de um dono e dos seus caprichos.

Desde então, a política do clube mudou, com um grande investimento na formação, que recentemente produziu talentos como Todd Cantwell e Max Aarons (ambos ainda no clube), Ben Godfrey (Everton) ou Jamal Lewis (Newcastle). Webber instituiu o 4x4x2 como modelo de jogo de todos os escalões de formação, para que o clube formasse o dobro dos avançados, a posição onde os jogadores são, em média, mais caros, para poder assim gerar mais valias no futuro.

Em Maio do mesmo ano, Webber escolhe o treinador para o seu projecto, Daniel Farke, um perfeito desconhecido que treinava a segunda equipa do Borussia Dortmund. Juntos, começaram a construir uma equipa que todos previam que terminasse a meio da tabela, mas acabou por vencer o Championship. Da Bundesliga 2 chegaram jogadores como Zimmerman, Stiepermann, Klose e Onel Hernandez, jogadores que Farke conhecia e que provaram ser excelentes aquisições a um baixo custo, mas os dois golpes de asa foram Teemu Pukki e Emiliano Buendía. O primeiro, um avançado finlandês que aos 28 anos, com passagens discretas por Sevilha, Schalke e Celtic Glasgow e que até então, raramente ultrapassando os 10 golos por época e só uma vez atingindo os 20, ao serviço do Brondby. O segundo, um médio criativo argentino, tapado no Getafe e vindo de uma época discreta por empréstimo no Cultural Leonesa, na segunda divisão espanhola. Pukki terminou a época com 29 golos marcados e Buendia com 8 golos e 12 assistências… juntos custaram 2,5 milhões de euros…

Após uma subida meteórica, tendo acabado a época em primeiro lugar, o Norwich chegava à Premier League. Sem muito dinheiro para investir, todos apontavam à saída de Farke para outras paragens, porque dificilmente poderia continuar a crescer no Norwich. Farke, por acreditar no projeto, mesmo sabendo que a manutenção era improvável, decidiu continuar. Manteve a filosofia do clube, não abordando os jogos na defensiva e continuando a apostar nos jovens e apesar dos maus resultados, nunca deixou de jogar um futebol de ataque.

Após o jogo que decidiu a descida, Farke surgiu na flash interview, com a confiança e tranquilidade de quem sabia que tinha sido apenas mais uma etapa, dizendo que a despromoção era algo para que estavam preparados e que não iria mudar nada o projeto do clube.

De regresso ao Championship, o clube foi obrigado a vender, abrindo mão do cobiçado lateral esquerdo Jamal Lewis e do promissor central Ben Godfrey, mas conseguindo manter os maiores valores do clube, Teemu Pukki, Emi Buendia, Max Aarons e Todd Cantwell. A época no championship foi impressionante, com um Norwich dominador e ofensivo, à imagem do seu treinador.

Regressam assim à Premier League. Talvez voltem a descer, talvez consigam a manutenção. Mas a filosofia está lá e o clube mantém-se fiel ao projecto.

 

Como joga o Norwich de Farke

O Norwich joga num 4x2x3x1, apostando num futebol ofensivo, apoiado e atrativo. É uma equipa que gosta de ter a bola, como prova uma média superior a 60% de posse de bola esta época, tentando sempre tomar a iniciativa de jogo, mesmo contra adversários mais fortes. Mesmo sem bola, o Norwich se deixa ficar na expectativa, provocando erros e procurando aproveitar um mau passe ou um mau toque do adversário para provocar um desequilíbrio.

Com foco no passe curto e com critério (sendo a equipa com melhor média de passes certos por jogo no Championship), o Norwich ataca muito bem o espaço, procurando criar superioridades numéricas e consequentes desequilíbrios em zonas do ataque. Em Giannoulis e Max Aarons, Farke tem dois laterais rápidos e muito ofensivos, que muitas vezes funcionam como extremos, permitindo a Emi Buendia e Todd Cantwell procurarem posições mais centrais, onde a sua qualidade técnica pode causar mais impacto, causando desequilíbrios e conseguindo a superioridade numérica contra os centrais. O argentino esteve directamente envolvido em mais de 30 golos esta época.

No centro do ataque, Teemu Pukki tornou-se um dos mais letais avançados em Inglaterra, combinando às mil maravilhas com Buendía, atacando muito bem o espaço e usando a sua capacidade de arranque para fugir ao seu marcador directo e finalizar. Nas suas costas, o jovem formado no Everton Kieran Dowell (membro da seleção inglesa que venceu o Torneio de Toulon em 2018) tem vindo a conquistar o lugar, mostrando porque foi em tempos considerado um dos mais promissores jovens de Inglaterra.

Vemos vários clubes cujo foco é a manutenção, construindo a curto prazo, com remendos e soluções muitas vezes desadequadas. Sem a pressão dos resultados imediatos, o Norwich está a construir aquele que é para já um dos mais promissores projetos do futebol inglês, sem investimentos loucos em jogadores, muita confiança na juventude e sobretudo um modelo que assegura a rentabilidade e sustentabilidade do clube, para que não dependam de terceiros para nada. Um projeto a não perder de vista.

 

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