O que se passa em Old Trafford?

Quem esperava que os problemas do Manchester United se resolvessem miraculosamente com a saída de Ole Gunnar Solskjaer, está neste momento a acabar para a triste realidade dos Red Devils. Ralf Rangnick chega a um cenário mais complexo do que à partida se julga, fruto de muitos anos de má gestão desportiva, várias épocas de insegurança táctica e de egos a levantarem-se acima do clube.

Visto como a pessoa ideal para reformular o Manchester United (primeiro no banco e depois na direção desportiva), Ralf Rangnick está a encontrar mais dificuldades do que o esperado em Old Trafford. O treinador alemão tem várias questões a ultrapassar, algumas culpa sua, outras culpa da estrutura, outras ainda do plantel, uma coisa é certa, há muito por fazer e com a forma dos rivais, avizinham-se mais anos de seca de títulos, para os lados de Old Trafford.

Ficam aqui aqueles que são os sete principais problemas do técnico alemão, no Teatro dos Sonhos:

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Manta de retalhos
O plantel do Manchester United é uma manta de retalhos, com jogadores que não ligam necessariamente bem entre si. Há os jogadores da cantera, fruto de uma filosofia que parece já não existir em Old Trafford, os contratados por Van Gaal (Luke Shaw e Martial) os escolhidos por José Mourinho (Pogba, Dalot, Bailly, etc), os escolhidos por Solskjaer (Bruno Fernandes, Jadon Sancho, Harry Maguire, etc), jogadores que foram contratados por serem uma boa oportunidade (Raphael Varane, Alex Telles, etc) e um Cristiano Ronaldo que foi lá parar num misto de saudosismo e impedir que fosse para o rival Manchester City. É um plantel enorme (34 jogadores), onde se foram tapando buracos, com jogadores com estilos de jogo e mentalidades muito diferentes e uni-los todos numa ideia de jogo comum, nunca será um trabalho fácil.

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Estatuto dos jogadores

Rangnick sempre gostou de equipas jovens, em que podia moldar os jogadores às suas ideias. Em Manchester tem praticamente o oposto: um plantel experiente de jogadores que já ganharam muita coisa (de Ligas dos Campeões a Mundiais de Clubes) e têm os seus egos. Um esquema como o de Rangnick exige muito dos jogadores, não só em termos tácticos, mas também físicos e muitos deles, não só não se adaptam a essa filosofia, como não têm intenções de o fazer.
Ao contrário de Solskjaer, que era unanimemente considerado “um porreiro” e visto mais como um colega do que como um treinador, o alemão tem um carácter forte e disciplinador, que com os egos dentro do balneário dos Red Devils pode dar uma mistura explosiva.

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Disciplina táctica
O grupo de trabalho vem de três anos sem disciplina táctica. Solskjaer era conhecido pelo pouco rigor táctico, dando mais liberdade aos jogadores. Quando a equipa estava em forma, resultava, quando alguma coisa corria mal, tinha muita dificuldade em reagrupar e recuperar. Passamos para Rangnick, o principal impulsionador da nova escola alemã, do gegenpressing e da transição rápida, filosofias que exigem rigor e disciplina. A transição leva tempo, sobretudo quando feita a meio da época, com menos tempo para afinar processos.

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Cristiano Ronaldo

O português chegou a Manchester como a resposta para todos os problemas e a verdade é que o foi, durante algum tempo, mas na táctica de Ralf Rangnick, Cristiano Ronaldo é um peixe fora de água. Cristiano nunca foi um avançado de pressão e com a idade, cada vez tem mesmo disponibilidade física para o fazer, mas na táctica de Rangnick é essencial que o faça. O alemão é obrigado então a chegar a um compromisso, para não abdicar do melhor marcador da equipa, tem de perder um jogador na pressão aos centrais adversários, essencial na sua filosofia, para ganhar bolas cedo. Ronaldo tem corrigido o seu posicionamento sem bola, estando muitas vezes a cortar linhas de passe ao adversário enquanto os seus colegas pressionam, mas o desequilíbrio está lá e só vai ficando mais evidente com o tempo.

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Equipa técnica
Fruto dos anos no grupo Red Bull, Rangnick conheceu e trabalhou de perto com muitos profissionais de futebol. Dois deles foram Ewan Sharpe e Chris Armas, com os quais trabalhou no New York Red Bulls, quando era director técnico do grupo, que juntou ao staff residente de Manchester (como Michael Carrick, Darren Fletcher,etc). Apesar da confiança de Rangnick, é com desconfiança que um grupo de jogadores de topo, recebe profissionais para os treinar e dar indicações que nunca trabalharam fora da MLS e nos técnicos residentes encontram aliados nessa descrença, uma vez que é nos seus homens que Rangnick deposita mais confiança, preterindo-os e aplicando ideias com as quais ainda não estão 100% confortáveis.

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Trabalho a prazo
Na cabeça dos jogadores não deixa de estar que todo este trabalho que estão a ter, para se adaptar a um esquema e a uma filosofia de jogo diferentes, pode ser deitado fora dentro de 6 meses. Rangnick é, para todos os efeitos, o treinador interino, com a ingrata tarefa de manter um barco à tona, que navega de forma totalmente diferente daquela a que está habituado. Ou muda o barco, sabendo que daqui a uns meses as suas ideias serão substituídas pelas de outro capitão, ou se adapta ao que tem, indo contra as suas próprias crenças.
A transição rápida e o gegenpressing são filosofias complexas, que exigem disciplina e uma grande capacidade da equipa de compreender ambos os momentos do jogo na perfeição (com e sem bola) e se os jogadores não estiverem 100% focados ou comprometidos, é um trabalho longo e ingrato, especialmente com os fantasmas de Pochettino e Ten Hag a pairarem no horizonte.

Concerns over Ralf Rangnick's tactics at Man Utd as Cristiano Ronaldo leaves clue about the future -.

Esquema táctico
O 4x2x2x2 é interessante e funciona bastante bem na Alemanha. Na Premier League é outra conversa. Os alemães favorecem muito mais o centro do terreno ao passo que os ingleses gostam de explorar mais as alas. O 4x2x2x2 de Rangnick tem-se revelado estreito, dando demasiada liberdade às alas adversárias para explorar a velocidade e desequilíbrios, especialmente nesta fase em que os jogadores ainda se estão a adaptar ao sistema. Ralf Hasenhutl percebeu isso mesmo, no Southampton e adaptou-se, passando a um 4x4x2, mais largo.

Ralf Rangnick é um excelente treinador, mas chega ao Manchester United numa altura complicada, não só por ser um período de transição, mas por chegar a meio de uma época condenada ao insucesso, com um grupo pouco funcional. Seja no banco, seja na direção técnica, Ralf Rangnick pode ser a pessoa certa, mas tem de para isso ter liberdade para reduzir o plantel e moldá-lo a uma filosofia comum (seja a dele, seja a de outros).

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