Precisamos de falar… Episódio 2: O Declínio de Angola no Basquetebol Africano
A Estagnação de um Campeão
Não é fácil para mim escrever este texto, mas vai ter que ser… Enquanto Angolano e adepto de basquete, tive muitas e felizes décadas de alegrias dadas pela selecção sénior masculina. 11 títulos continentais, várias idas a Mundiais e Jogos Olímpicos, a simples menção do nome ANGOLA fazia crescer o medo no coração dos adversários. Porém, desde 2013, ano do último título conquistado na Côte d’Ivoire, Angola tem tido um desempenho cada vez mais sofrível nas competições africanas. No Afrobasket de 2015 perdemos na final contra uma indiscutível Nigéria. Em 2017, nem sequer disputámos uma medalha, ficando num preocupante 7º lugar.
A verdade crua e nua é que o basquete angolano não perdeu qualidade: ESTAGNOU. O Carlos Morais, MVP do Afrobasket 2013, ainda é o protagonista desta selecção angolana em 2021. Eduardo Mingas, apesar de ainda capaz, tem 42 anos. Joaquim “Kikas” Gomes e Reggie Moore, também figuras de destaque da selecção em anos passados, reformaram-se em 2017 e 2018, respectivamente. Foi injectado algum sangue novo (do qual já iremos falar), mas a impressão com que fiquei neste primeiro jogo da selecção no Afrobasket foi que se espera ainda demasiado dos mesmos, e há muita hesitação em fazer uma real passagem de testemunho.
Ausentes de peso
Mas vamos por partes. Comecemos pelos grandes ausentes: Bruno Fernando e Yanick Moreira. Dois postes (2,08m e 2,11m, respectivamente) que teriam dado muito jeito para enfrentar o gigante cabo verdiano Walter “Edy” Tavares, de 2,21m! O primeiro foi afastado pela Federação Angolana de Basquetebol por “incompatibilidade de agendas”, já que o mesmo, jogador da NBA num momento de transição na sua carreira (foi trocado de Atlanta para Boston este verão), decidiu jogar a Summer League, a fim de tentar garantir um lugar na liga americana, estando disponível apenas a partir de 16 de Agosto, quando a equipa começou o estágio de preparação dia 1. O jogador mostrou-se disponível a partir da referida data, a Federação recusou. “Não seria justo para os outros colegas, que estão no estágio desde o início”. OK… Prescindir de um jogador que está em forma (já que jogou a Summer League) e que seria um elemento importante para a organização defensiva da equipa… Um jogador com 2 anos de experiência na melhor liga do mundo… Está bem. Quanto a Yanick Moreira campeão da G-League americana em 2019, apesar de ter feito a preparação, preferiu não ir ao torneio para tratar de problemas de saúde, já que a temporada no AEK Atenas foi fisicamente desgastante. A verdade é que há barulhos de corredor que apontam um desentendimento entre Yanick e alguns colegas da selecção. Se juntarmos a isto o facto de Yanick ter sido um dos jogadores que expôs nas redes sociais as dificuldades por que passou a selecção no último mundial na China (1), a questão da “saúde” pode legitimamente ser questionada. Nem falo de Sílvio de Sousa, cujo percurso universitário nos Estados Unidos tem tido altos e baixos, e que ficou de fora do grupo desde o início (2) (3).
Foi portanto uma selecção privada de dois jogadores com uma experiência interessante, mas jovens o suficiente para serem peças importantes na rotação angolana. Em face, tínhamos uma equipa de Cabo Verde experiente (30 anos de média de idade, contra 29 para Angola, muito por conta dos 42 anos de Eduardo Mingas) liderada pelo experiente Fidel Mendonça, 37 anos, e pelo ex jogador da NBA que actua hoje no Real Madrid, Walter “Edy” Tavares. A qualidade deste jogador é inegável, e não nos devemos fiar no seu curto percurso na liga americana para o descartar como um adversário temível. A prova é o seu actual desempenho com o clube madrileno, onde ele é uma das âncoras defensivas.
O Jogo
O histórico de encontros entre estas equipas não é longo, mas era muito favorável à selecção angolana. Três jogos, três vitórias com bastante autoridade. Mas a equipa de Cabo verde que entrou em campo não era a mesma que em 2007 ou 2013. Emanuel Trovoada, treinador angolano, dirigiu a equipa cabo Verdiana, depois de a ter levado a conquistar o bronze no Afrobasket em 2007. Conhecedor do jogo da sua congénere, não se deixou intimidar pelo talento angolano.
O jogo começou equilibrado, com Cabo Verde a não hesitar diante dos hendecacampeões africanos. O primeiro período teve muito desperdício de ambas as partes, e acabou 14-14. No segundo período, Carlos Morais fez valer a sua experiência, e tomou o rumo da equipa em mãos. Angola chegou a liderar por 12 pontos no terceiro período, e só não fugiu mais no marcador por conta do excelente jogo de Edy Tavares, que contava já 13 pontos e 10 ressaltos no início do 3º período. No geral, as duas equipas tiveram um mau jogo do ponto de vista do lançamento exterior, com as defesas a pressionar muito longe da tabela. Childe Dundão, o pequeno base angolano (1,67m!) foi incansável na recuperação de bola, e a atrapalhar o jogo do base cabo verdiano Jeffrey Xavier. Edson Ndoniema teve também um bom jogo defensivamente, mas não lhe sobraram pernas para atacar.
O momento crucial do jogo jogou-se nos últimos 7 minutos do 4º período. Angola perdeu muitas bolas em ataque, e Fiel Mendonça, no canto direito, castigou os palancas com dois lançamentos de 3 pontos consecutivos que reduziram a diferença pontual e permitiram a Cabo Verde colar ao marcador. A um minuto do fim do jogo, Edy Tavares protagonizou uma jogada digna de Shaquille O’Neal: num ressalto ofensivo depois de um lançamento falhado por um colega, o gigante agarrou na bola e “dunkou” com todo o seu peso e autoridade, empatando o jogo a 66 pontos. Porém, ao largar o aro, a violência do gesto foi tal que a tabela ficou completamente estilhaçada, e teve que ser substituída!
O tempo de espera ainda foi longo, o que permitiu a ambas equipas recuperar algum fôlego. Mas a quebra de ritmo foi prejudicial à equipa angolana, que não soube voltar à liderança, e foi a prolongamento. Este terá sido um dos factores determinantes para o resultado final, já que nos 5 minutos suplementares, Angola correu atrás do prejuízo, depois de ter o jogo praticamente ganho, enquanto Cabo Verde se apoiou no seu poste para consolidar o resultado final. Tavares acabou o jogo com 20 pontos, 18 ressaltos, 6 bloqueios e 3 roubos de bola, um jogo que certamente lhe servirá de referência em termos de confiança. Do lado angolano, Carlos Morais terminou com 21 pontos, 4 ressaltos e 3 roubos de bola.
Cabo Verde ganhou com justiça, e merece os parabéns pela constante evolução que tem mostrado ao longo dos anos. As suas ambições aumentam a cada edição do torneio, e mesmo que haja muitas equipas de grande qualidade, pelo que mostrou hoje, é legítimo que almeje um lugar no pódio.
Epílogo
Angola foi surpreendida por esta selecção de Cabo Verde, combativa e resiliente. Os últimos minutos do quarto período foram reveladores de uma fraqueza mental que se vem sentindo nesta equipa há alguns anos, e que os diferentes ajustes do seleccionador Pep Claros não conseguiram resolver. É urgente que a equipa reaja da melhor maneira face à selecção anfitriã do Ruanda, já na quinta feira, se não queremos correr o risco de uma eliminação prematura (e inabitual) desta que é a selecção mais premiada do continente africano. Angola não se pode remeter unicamente a Carlos Morais (35 anos) para resolver, é urgente que a jovem guarda assuma as suas responsabilidades. Apesar de tudo, vimos um jogo interessante dos jovens Childe Dundão (8 pontos, 4 roubos de bola) e do poste Jilson Bango (13 pontos, 10 ressaltos). De esperar que no próximo jogo se diminuam as perdas de bola (16) e se melhore o lançamento exterior (21.8% da linha de 3 pontos), já que uma das maiores fraquezas desta selecção é o jogo interior, o que torna mais difícil ainda “aceitar” as ausências de Moreira e Fernando… Mas o Afrobasket começou, e é com estes que temos que ir à luta. Se Angola quer voltar a ter um papel de destaque no basquetebol africano, este Afrobasket vai determinar o caminho. Até lá, foco no Ruanda, que vai ter todo o seu público a torcer na quinta-feira. O caminho é para a frente. Sem olhar para trás, sem pensar no passado, sem pensar em quem não está. Se não queremos selar já o fim da maior epopeia desportiva deste país, está na hora da selecção mostra o que vale em campo. O resto do continente já não os teme, e recuperou o “atraso”. Cabe a Angola dar os passos certos para se manter na corrida. E, independentemente dos resultados neste torneio, pensar seriamente no futuro.
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https://novojornal.co.ao//desporto/interior/yanick-moreira-recorre-as-redes-sociais-para-falar-das-dificuldades-da-seleccao-angolana-no-mundial-da-china—e-a-fome-questionao-atleta-76174.html
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https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=429700
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https://novojornal.co.ao/desporto/interior/ncaasilvio-espreita-regresso-ao-basquetebol-universitario-norte-americano-102705.html