Quão boa foi a época do Leeds?

Sou fã do Leeds. Não apenas do Leeds que subiu de divisão em 2019/20, mas do Leeds de 2000/01 de Martin O’Neill, com Viduka, Kewell, Alan Smith e Erik Bakke, do Leeds que desceu duas divisões e voltou a subir 16 anos depois. Vibrei com Beckford e Snodgrass com Wood e até com Luciano Becchio. Sou fã do Leeds há mais de 20 anos e nunca me cansei de os seguir. Mas nunca tive tanto gosto a ver jogar esta equipa que já considero “minha”, como desde que chegou este argentino louco, que passa os jogos sentado numa geleira, chamado Marcelo Bielsa.

O Leeds viveu tempos conturbados até à chegada do dono da Eleven Sports, Andrea Radrizzani. Conta o próprio que queria comprar um clube para um projecto de futuro e num evento da FIFA pediu a opinião a Kenny Dalglish, sobre qual poderia ser. A lenda inglesa tinha apenas uma sugestão, o Leeds United, cujo dono, o desastroso Massimo Cellino, queria vender. Foi amor à primeira vista e em 2017, Radrizzani adquire o clube, prometendo levá-lo à Premier League num prazo máximo de cinco anos. Após alguns erros de casting, escolhe Marcelo Bielsa para treinador em 2018 e dois anos depois, o Leeds está na Premier League, a jogar um futebol como há muito não se via em Elland Road.

Reza a lenda que na sua primeira semana, Marcelo Bielsa se inteirou de quantas horas o adepto médio do Leeds tinha de trabalhar para pagar um bilhete para assistir ao jogo (três horas), levando de seguida os seus jogadores a um treino nas ruas da cidade, onde durante as ditas três horas apanharam lixo, para que nunca se esquecessem do quanto custa aos seus adeptos ir vê-los jogar e o quanto lhes devem. O esforço e a dedicação são agora uma das imagens de marca deste Leeds que com uma equipa de jogadores de segunda divisão e alguns reforços se está a bater de igual para igual com alguns dos principais clubes europeus.

As subidas de divisão são sempre difíceis. Uma equipa que sobe passa, na teoria, de ser uma das melhores equipas de uma liga a ser uma das piores de uma liga. De uma equipa dominante, passa a ser uma equipa que inevitavelmente será dominada, diferença ainda mais notória numa liga como a Premier League e onde pontificam alguns dos plantéis mais fortes da Europa.

Há exceções à regra, como é exemplo disso o Wolves em 2018/19, que terminou em sétimo, ou o Sheffield United que terminou a época passada em 9º na Premier League, no ano de subida, duas equipas bem montadas, seguras a defender e letais no contra-ataque. Mas o Leeds foi diferente… com a mesma filosofia com que subiu, o Leeds encarou a permanência! Com os mesmos tomates com que ia a Stoke, foi jogar a Manchester ou a Liverpool. A mesma vontade de ter a bola, a mesma transição rápida e pressão assim que o adversário ganhava a bola, a mesma vontade de atacar e de criar oportunidades de golo. Isto, mudando muito pouco o plantel…

Apesar de terminar a época em 9º lugar, foi o 6º melhor ataque, à frente Chelsea, Arsenal, Everton e West Ham. Foi a primeira equipa a estar directamente envolvida em 100 golos esta época (somando 50 marcados e 50 sofridos à 32ª jornada), terminado a época com 4 vitórias consecutivas. O Leeds foi também a 4ª equipa com mais posse de bola e com melhor média de remates por jogo, apenas atrás de Manchester City, Chelsea e Liverpool em ambos os capítulos.

A nível individual, Patrick Bamford (um avançado que o ano passado desesperava os adeptos e que ninguém acreditava ser bom o suficiente para a Premier League) foi o 4º melhor marcador a par de Heung-Min Son (17 golos), o 2º melhor inglês (atrás de Kane), tendo ainda feito 7 assistências (só quatro jogadores estiveram envolvidos directamente em mais golos, Kane, Bruno Fernandes, Salah e Son). Raphinha, com nove assistências, é o sexto melhor da Premier League, com Jack Harrisson a partilhar o novo lugar com quatro outros jogadores, todos com oito assistências. O brasileiro esteve directamente envolvido em 15 golos e o médio inglês em 16!

Isto tudo, para uma equipa que acabou de subir de divisão… (e que aproveitou e fez a melhor pontuação dos últimos 20 anos para um recém promovido)!

 

Mas como joga afinal o Leeds de Bielsa?

Escolhendo uma táctica inicial, diria que o Leeds de Bielsa se organiza num 4x5x1, que em posse se transforma num 3x3x3x1, ou até num 3x3x1x3… explico:

Leeds joga de início com uma defesa a quatro, habitualmente com Dallas e Ayling nas alas e dois centrais, de entre Llorente, Koch, Cooper, Struijk e Berardi… às vezes também Ayling… os que não estiverem lesionados! À frente da defesa joga Kalvin Phillips, que além de um exímio recuperador de bolas é um excelente distribuidor de jogo. À sua frente estão o box-to-box Klich e o surpreendente Rodrigo Moreno, que de avançado titular do Valência e da seleção espanhola, passou a ocupar a posição de médio de construção no Leeds. As alas são habitualmente preenchidas por Raphinha, o mais virtuoso jogador da equipa e o mais horizontal Jack Harrison, ambos canhotos. Também canhoto é o ponta-de-lança Patrick Bamford, um jogador dotado de uma inteligência táctica acima da média e uma pontaria desesperante, sendo o avançado com mais recuperações de bola da Premier League e ao mesmo tempo, o jogador da Liga com mais oportunidades de golo falhadas… chega a ser desesperante! 21 grandes oportunidades!! VINTE E UMA…

Em posse, recua o centro campista mais recuado, Kalvin Phillips, tornando-se o primeiro construtor de jogo, entre os centrais, à sua frente passam a estar Dallas e Ayling, os dois laterais que ao contrário do habitual, não sobem pelo flanco para criar sobreposições, vão para o centro do terreno, ajudar na construção, permitindo a subida de Klich e Rodrigo, passando o Leeds a atacar com 5 jogadores: um ponta-de-lança, dois extremos e dois médios, que surgem muitas vezes no espaço entre o lateral e os centrais, nas costas de Patrick Bamford.

Mas onde a marca de Bielsa é mais evidente é não na posse de bola (que o Leeds tem, durante grande parte do jogo) mas sim quando a perde. Acionando uma pressão imediata e feroz, à procura do erro do adversário. Aqui reside uma das maiores forças e maiores fraquezas do Leeds: A primeira “vaga” de pressão é forte (maior média de recuperação de bolas por jogo da Premier League) e quando conseguem recuperar a bola, levam muitas vezes a desequilíbrios que podem ser fatais, mas uma vez ultrapassada, entra num vácuo entre jogadores a recuperar posição e a equipa a reequilibrar-se que muitas vezes é também fatal.

Aí é onde se nota mais a inexperiência de alguns jogadores, não só pela idade (no caso de Meslier, o guarda-redes Sub-21 francês) mas pela pouca experiência na primeira divisão, como é o caso de Dallas, Alioski, Cooper, Ayling, Phillips, Harrison, Klich, Bamford, etc

As lesões também contribuíram para algum desequilíbrio, especialmente no centro da defesa, onde a dupla Robin Koch e Diego Llorente não conseguiu fazer um jogo em conjunto, com Struijk, Cooper e Ayling a fazerem vários jogos nessa posição. As lesões levaram a que o Leeds tivesse de regularmente de fazer uma ginástica táctica, devido a um plantel curto, com vários jogadores a terem ocupado mais do que uma posição esta época, numa prova de sacrifício e espírito de entreajuda à imagem de Marcelo Bielsa. Neste capítulo há a destacar Stuart Dallas, o méd…defes..o jogador norte-irlandês que esta época jogou a lateral esquerdo, direito, médio centro, trinco, extremo direito, esquerdo e a médio ofensivo, sempre com uma dedicação acima da média, marcando inclusivamente dois ao Manchester City, na vitória do Leeds por 2-1 no Etihad. Se também abrir cervejas e tiver uma chave-phillips escondida, já pode ser considerado um canivete suíço.

Bielsa está (ou não) à beira de renovar por dois anos. Confirmando-se a renovação, um dos projectos mais interessantes do futebol Mundial e aquela que é a equipa mais hipster do momento, vão ainda dar muitas cartas na Premier League e, quiçá com alguns reforços bem escolhidos, prestes a atingir as regressar à Europa.

 

 

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