Será (finalmente) desta?

30 de julho de 1966, Estádio de Wembley. A jogar em casa, a Inglaterra de Bobby Charlton vence a RFA de Franz Beckenbauer por 4-2 e sagra-se campeã mundial de futebol pela primeira e única vez. A final é resolvida no prolongamento por Geoff Hurst, autor do único hat-trick da história das finais dos Campeonatos do Mundo e o 3-2 torna-se um dos golos mais célebres – e polémicos (afinal a bola entrou ou não? Acho que nunca ninguém saberá…) – de sempre.

Geoff Hurst's goal 1966 World Cup final DIDN'T CROSS THE LINE on Vimeo

30 anos depois, a Inglaterra voltou a organizar a fase final de uma grande competição internacional de seleções, o Euro ’96. Para assinalar o regresso destes certames à pátria do futebol, foi lançada uma música cujo refrão “It’s coming home, it’s coming home, football’s coming home” todos os fãs que acompanharam esse Euro certamente se recordam. Os adeptos ingleses adotaram-no como um cântico que ainda hoje entoam nos jogos da sua seleção e a expressão “football’s coming home” passou a representar a esperança dos ingleses de voltar a vencer. E sempre que os Mundiais e os Europeus se aproximam, ou pelo menos aqueles para os quais a Inglaterra se qualifica, lá vem a velha questão: será desta que “o futebol volta a casa”?

 

Entre 66 e 96, a Inglaterra acumulara desaires.

 

Nos Europeus, o melhor que conseguira fora um 3º lugar em 1968, numa altura em que a fase final era disputada por apenas 4 equipas.

 

Quanto aos Mundiais, a defesa do título em 1970 terminou nos quartos-de-final, com a RFA a servir a fria vingança 4 anos volvidos, também no prolongamento. Cá se fazem, cá se pagam… O melhor que a Inglaterra conseguiu foi chegar às meias-finais no Itália ’90, onde foi eliminada nos penalties pela RFA. Foi após esta partida que o ponta-de-lança inglês Gary Lineker proferiu a célebre tirada “o futebol é um jogo simples: 22 homens perseguem uma bola durante 90 minutos e no fim, os alemães vencem sempre”.

 

Parecia que havia sempre algo a impedir os ingleses de alcançarem a terra prometida, talvez até intervenção… divina, como a “Mão de Deus” de Diego Maradona no México ’86.

La 'mano de Dios' de Maradona: el gol intencional, antirreglamentario... y  divino

 

Então e em 96? Afinal bastou ao futebol estar “em casa” para “voltar a casa”? Paul Gascoigne assinou um golo icónico frente à Escócia, Alan Shearer foi o melhor marcador do torneio… mas os ingleses sucumbiram na meia-final, outra vez no desempate por penalties, contra… já adivinharam… a Alemanha! Curiosamente, o penálti decisivo foi falhado por Gareth Southgate, atual selecionador inglês.

 

Os anos foram passando e apesar de, muito por culpa do mediatismo que as suas estrelas alcançavam nos respetivos clubes, serem sempre considerados como uma das equipas a ter em conta (quando se apuravam para a fase final), os ingleses não voltaram a aproximar-se das decisões. E se ficaram célebres a expulsão de David Beckham contra a Argentina nos oitavos-de-final do França ’98 e o livre de aba larga de Ronaldinho Gaúcho nos quartos-de-final do Mundial 2002, o que dizer dos penalties mais famosos do futebol português no Euro 2004, com direito a repetição no Mundial 2006 (em ambos os casos perante aquela que pessoalmente considero ser a melhor geração da seleção inglesa)?

 

Já com Southgate ao leme, a Inglaterra chegou ao Mundial 2018 com uma nova abordagem tática, adotada já no final da fase de qualificação: um esquema de 3 centrais, pouco usual até então em equipas tipicamente britânicas. Depois de uma fase de grupos que até incluiu uma derrota frente à Bélgica, afortunadamente a Inglaterra viu-se perante um quadro de eliminatórias que apenas continha uma seleção de renome, a Espanha (que até foi imediatamente eliminada pela Rússia nos oitavos-de-final, ainda antes da seleção inglesa entrar em campo). Na teoria, ficava caminho aberto para os ingleses regressarem – finalmente – a uma final. Porém, viriam a tombar no prolongamento da meia-final frente à fantástica Croácia que encantou o mundo do futebol. Nova derrota com a Bélgica significou o 4º lugar, que igualava a classificação final alcançada no Itália ’90.

2018 FIFA World Cup Live Tracker: Croatia vs. England - Sportsnet.ca

 

E eis que (finalmente…) nos vemos chegados ao Euro “2020” (permitam-me as aspas, aceito a opção da UEFA por esta nomenclatura mas não deixamos de já não estar em 2020). Para ajudar a reforçar a expetativa, já de si elevada como sempre, em torno da seleção inglesa, a Inglaterra iria jogar toda a fase de grupos e os oitavos-de-final (se vencesse o grupo) no novo Wembley, para além do facto de também as meias-finais e a final se disputarem naquele estádio. Ou seja, num Europeu que se joga em 12 cidades de 12 países diferentes, a Inglaterra tinha a possibilidade de jogar em casa 5 ou 6 dos seus hipotéticos 7 jogos.

 

A espinha dorsal da equipa que alcançou o 4º lugar no último Mundial manteve-se: Pickford, Walker, Stones, Maguire, Trippier, Henderson, Sterling e Kane faziam parte do onze base no Rússia 2018 (o capitão do Liverpool acaba por ser figura secundária neste Europeu devido à lesão contraída durante a época) e Rashford continua a ser uma espécie de “12º jogador”. A esta base, a seleção inglesa teve a oportunidade de acrescentar um conjunto de jovens talentos emergentes, como Foden, Mount, Grealish, Saka e o pouco utilizado Sancho, que foram despontando nas últimas duas épocas e que lhe conferiram uma nova dimensão ofensiva, com maior criatividade e outras soluções que não a velocidade de Sterling e Rashford ou a capacidade concretizadora de Kane.

 

Ainda assim, algumas decisões de Southgate causaram perplexidade. A convocatória de 4 laterais-direitos foi amplamente ridicularizada, tanto que a perda de Alexander-Arnold por lesão foi suprida com um defesa-central. A opção por Trippier para lateral-esquerdo na 1ª jornada (numa defesa a 4), em detrimento de Shaw ou Chilwell, causou estranheza. Também a aposta na dupla Rice e Phillips para o meio-campo esteve longe de ser consensual, mas revelou-se acertadíssima, com o médio-centro do Leeds United em particular a assinar uma exibição portentosa. E para concluir, até a própria escolha de Sterling, que vinha de uma época onde até perdeu algum protagonismo no Manchester City, foi questionável, tendo em conta que de fora ficavam jogadores que tinham tido outro rendimento durante a época.

 

A verdade é que duas vitórias por 1-0 frente a Croácia e República Checa e um nulo no derby com a Escócia foram suficientes para a Inglaterra vencer o grupo, sem brilhantismo mas com solidez e sem sobressaltos.

 

Finda a fase de grupos, à semelhança do que ocorrera em 2018, a Inglaterra via-se novamente confrontada com apenas um “tubarão” no caminho para a final. Só que desta vez teria mesmo que derrotar esse adversário, logo nos oitavos-de-final. Nada mais nada menos do que a sua besta negra das fases finais, a Alemanha.

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Southgate voltou a assumir a responsabilidade de mais uma decisão controversa: abandonou o 4-2-3-1 com o qual alcançara bons resultados na fase de grupos e montou a equipa em 3-4-3, o que lhe permitiu encaixar melhor na formação alemã. Abdicou do “10” (primeiro Mount, depois Grealish) para introduzir mais um defesa-central, derivando Walker para o meio e recuperando Trippier para fazer a ala direita, ele que não voltara a ser opção depois da experiência no jogo inaugural no corredor oposto. O jogo foi algo amarrado e nem outra coisa seria de esperar, dada a importância da partida. Poucas oportunidades de golo, poucos lances junto das balizas. A cerca de 20 minutos do fim, os treinadores mexeram: Joachim Löw trocou o avançado-centro (saiu Werner, entrou Gnabry) e Southgate retirou Saka para lançar o joker Grealish.

 

Apenas 5 minutos volvidos, Grealish descobriu Shaw na esquerda, o lateral cruzou rasteiro e Sterling voltou a ser decisivo, fazendo o golo que fez Wembley explodir de alegria. Müller ainda teve o empate nos pés aos 81 minutos, mas seria Kane a selar a vitória inglesa aos 86 minutos, correspondendo de cabeça a um cruzamento de Grealish novamente oriundo do flanco esquerdo.

 

55 anos depois da final de 1966 e à 5ª tentativa, a Inglaterra matava o borrego e conseguia finalmente derrotar a Alemanha numa fase a eliminar de um Mundial ou Europeu.

 

Superado o obstáculo germânico, um enorme peso sai de cima dos ombros ingleses. Não tenho dúvidas de que esta vitória representa um enorme boost anímico, não só para a equipa, como para os seus adeptos. Contudo, a história da seleção dos Três Leões está repleta de exemplos de sobranceria, que depois estão na génese de eliminações inesperadas perante adversários teoricamente menos cotados.

 

O próximo passo será a tal partida disputada longe de Londres. Os ingleses viajarão até Roma, onde terão encontro marcado com a Ucrânia, comandada pelo seu herói nacional Andriy Shevchenko. Até pela irregularidade dos ucranianos, creio que a Inglaterra cumprirá a sua obrigação e seguirá em frente. Aí os ingleses regressarão a casa e a separá-los da final terão, “apenas”, uma vitória sobre a República Checa ou a Dinamarca.

 

Neste momento, certamente o mindset de muitos ingleses já será apenas um: quem teremos que derrotar na final de Wembley do dia 11 de julho para voltar a levantar um troféu?

 

Mas para isso, primeiro terão que efetivamente chegar à final e, como até este Europeu nos tem demonstrado quase diariamente, o futebol é pródigo em surpresas e nada está garantido até ao apito final do árbitro. E não é por isso que gostamos tanto deste desporto?

 

E, claro, mesmo que a Inglaterra lá chegue, depois ainda há o “pequeno pormenor” de ter que vencer a final… E jogar a final de Europeu em casa não é sinónimo de vitória, como infelizmente bem sabemos!

 

Será (finalmente) desta que o futebol volta a casa?

It's coming home: Why Three Lions became England's World Cup anthem - The  Washington Post

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