Afinal, Ronaldo foi bom ou mau para a Juventus?

Cristiano Ronaldo apresenta-se no centro de treinos do Manchester United – Observador

Na semana em que se deve (re)estrear pelo Manchester United, ainda muito se discute sobre a passagem de Cristiano Ronaldo pela Juventus e o declínio da Vecchia Signora nesse mesmo período. Alguns apontam o português como a causa (ou uma das causas) outros afirmam que teria sido ainda pior, sem os golos de CR7. Uma coisa é certa, o domínio absoluto da Juventus futebol italiano, chegou ao fim durante a sua passagem. Se analisarmos os últimos cinco anos da Juventus, podemos perceber muita coisa, sobre o declínio do clube de Turim.

 

Crescimento da marca Juventus com Ronaldo

O crescimento da marca Juventus durante a sua passagem foi inequívoco. Apesar do elevado investimento no português (que com o valor da compra, salários e prémios, se previa que atingisse os 350 milhões nos quatro anos que iria durar o contrato), a Juventus teve esse retorno.

Começando pelo básico, as vendas de camisolas dispararam e no acordo celebrado com a Adidas, a Vecchia Signora tem direito a uma percentagem de todas as unidades vendidas que aumenta (rondando os 10%) nas que o forem através dos canais oficiais do clube (loja, site, etc). As estimativas apontam para que nas primeiras 24h tenham sido vendidas 850 mil camisolas (tantas como as vendidas pelo clube na época anterior), dando uma soma à volta dos 9 milhões de euros para os italianos, apenas nesse primeiro dia.

Cristiano Ronaldo Juventus presentation recap as Portuguese superstar completes medical and £88million move - Mirror Online

Nesse ano, os transalpinos declararam também um aumento de 16 milhões nas receitas de merchandising e 14 milhões na venda de bilhetes. No total, foram 58 milhões a mais do que na época anterior. No final da época, foi celebrado um novo acordo com a Adidas, com a marca desportiva a passar a pagar o dobro pelo patrocínio (357 milhões de euros) e o patrocínio da Jeep passou de 17 milhões para 42 milhões. Há também a parceria com a Konami, cujo valor oficial não foi divulgado, mas que “tirou” a Juventus do FIFA, passando a ser exclusivo do PES.

Juventus - KONAMI Parceria Oficial | PES - eFootball PES 2020 Official Site

Várias fontes estimam que só no primeiro ano na Juventus, Cristiano Ronaldo rendeu ao clube 110 milhões de euros adicionais.

Nas redes sociais dá para perceber a dimensão deste crescimento, com a Juventus a crescer de 9,8 milhões de seguidores para 33,5 milhões no Instagram, a passar de 200 mil para 2,3 milhões no Sina Weibo (rede social chinesa) e a aumentar 1,7 milhões de seguidores no Twitter e 7,5 milhões no Facebook.

Tudo isto aumenta o valor da marca Juventus e o impacto podia ter sido maior, não fosse a limitação do próprio futebol italiano (muito menos apetecível internacionalmente do que a Premier League ou a La Liga, por exemplo), a pandemia, que limitou o acesso dos adeptos aos estádios e consequentemente limitou as vendas de merchandising e camisolas e o rendimento desportivo da Juventus.

Contas feitas: Ronaldo não deu lucro à Juventus, antes pelo contrário, apenas financeiramente falando, deu até prejuízo, que se esperava que fosse mitigado pelo sucesso na Liga dos Campeões, mas o crescimento da marca Juventus neste mesmo período não pode ser ignorado.

 

Mercado da Juventus nos últimos 5 anos  

Cristiano Ronaldo não foi a primeira grande aposta da Juventus. Duas épocas antes, o clube de Turim tinha gasto 90 milhões para tirar Gonzalo Higuaín ao Nápoles, numa aposta que apesar de ferir o que na altura era o seu principal adversário, nunca teve o rendimento esperado (36 golos em duas épocas e meia). Nessa época chegaram também Pjaca por 23 milhões, Mattia Caldara por 19 milhões, Mario Lemina por 9,8 milhões, Tomás Rincón por 8 milhões e Riccardo Orsolini por 6 milhões. Nenhum deles pegou de estaca na Juventus, que vendeu Pogba e Morata para Manchester United e Real Madrid, rendendo juntos 140 milhões. Chegaram à final da champions com este onze:

No ano seguinte, saíram Bonucci (que voltaria passado uma época) e Kingsley Coman para o Bayern. Chegam Bernardeschi por 40 milhões (que nunca justificou o investimento), Blaise Matuidi, por 25 milhões, Cuadrado a título definitivo por 20, Szczesny por 14, De Sciglio por 12 e Rodrigo Bentancur por 12,5.

Em 18/19 a Vecchia Signora perde vários jogadores históricos ou importantes, como Buffon, Barzagli, Marchisio  e Dani Alves (todos eles utilizados na final da liga dos campeões meses antes).  Perde também Beppe Marotta, director desportivo que arquitectou o sucesso da Juventus e parte para o Inter de Milão, deixando Fabio Paratici no comando. É neste ano que chega Ronaldo por 117 milhões, juntamente com João Cancelo e Douglas Costa (ambos por 40 milhões), Matía Perín por 14, Emre Can a “custo zero” e Andrea Favilli, por 7,5.

João Cancelo: ″Na Juventus costumam dizer: 'corre e cala-te'″

No ano seguinte (19/20 – o ano em que rebenta a pandemia) o investimento é semelhante, chegando De Ligt por 85,5 milhões (e o dobro do ordenado de Chiellini), Danilo no negócio de João Cancelo, Dejan Kulusevki (35 milhões, sendo emprestado de seguida ao Parma), Cristian Romero por 25, Luca Pellegrini por troca com Spinazolla (!!!), Demiral por 18 e ainda Adrien Rabiot e Aaron Ramsey a custo zero, mas com ordenados e prémios de assinatura elevadíssimos. De Turim sai o treinador Max Allegri, após falhar a Champions. Paratici tinha Conte na mira, mas o seu antigo mentor, Beppe Marotta, antecipou-se e levou-o para o Inter. Chega então Sarri, o plano B dos italianos.

Maurizio Sarri and Juventus was a match made in hell

Em 2020/21, Maurizio Sarri é despedido, apesar do título de campeão. A desilusão da Champions e o mau futebol praticado, foram determinantes. Paratici tinha vários nomes em cima da mesa, mas o presidente Andrea Agnelli escolheu pessoalmente Andrea Pirlo. Chegaram Álvaro Morata, Federico Chiesa e Weston Mckennie (com uma taxa de empréstimo de 20, 10 e 4,5 milhões, respectivamente e cláusulas de compra obrigatória no final da época), Arthur chegou por troca com Miralem Pjanic e 15 milhões adicionais e Rolando Mandragora (10 milhões), para ser emprestado. Foi também garantido o jovem Niccoló Rovella por 18 milhões ao Génova.

Contas feitas, em cinco anos a Juventus gastou mais de 850 milhões de euros em cinco anos em transferências (fora ordenados). Mais de metade dessa verba foi gasta em jogadores que não resultaram ou não tiveram o rendimento esperado (Bernardeschi, Kulusevki, Demiral, De Sciglio, Douglas Costa e até mesmo De Ligt, até agora, não justificaram os valores investidos neles e estes são apenas exemplos), tendo jogadores como Rabiot e Ramsey que apesar de chegarem “livres” têm ordenados muito elevados e não dão rendimento desportivo ao clube.

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Resumindo, a Juventus vem de cinco anos de maus investimentos, em que parece ter perdido o rumo. O modus operandi criado por Beppe Marotta de ir buscar a custo zero jogadores que não renovaram com os gigantes europeus, falhou ao clube nos últimos anos e a troca de director desportivo levou a que fossem gastas dezenas de milhões de euros em jogadores que não encaixavam na equipa ou na visão do treinador. Nunca foram encontrados substitutos à altura para jogadores como Andrea Pirlo, Paul Pogba ou até Miralem Pjanic, que foram determinantes no sucesso do clube e deixou-se partir Kingsley Coman, Cristian Romero, Spinazzola ou Moise Kean quando ainda podiam dar muito ao clube.

Enquanto a Juventus em 19/20 foi buscar De Ligt, Rabiot, Ramsey, etc num total de 230 milhões, o Inter foi buscar Lukaku, Eriksen, Sensi, Barella, etc, num total de 191 milhões…

 

Prestação desportiva da Juventus com Ronaldo

1ª época – Maximiliano Allegri

Se olharmos apenas para os números, a Juventus fez menos 5 pontos e marcou menos 13 golos que na época anterior, mas se analisarmos a época até percebemos que os números podem enganar. A agitação com a saída de Allegri e a desilusão da Champions levaram a que nos últimos cinco jogos, a Juventus, já campeã, tenha tirado o pé do acelerador, perdendo três e empatando dois. A Juventus foi campeã mais cedo do que na época anterior e acabou com uma vantagem muito maior para o segundo classificado (de 4 para 11 pontos) que só não foi maior devido àquele final de época em que já nada havia em disputa.

Se analisarmos os resultados das duas épocas, são muito parecidos, com a excepção de dois resultados “anormais” em 17/18 (um 7-0 ao Sassuolo e um 2-6 à Udinese, com hattrick de Sami Khedira). Fora esses dois resultados (13 golos em dois jogos) as épocas foram muito semelhantes.

Dos finalistas da Liga dos Campeões, dois anos antes, cinco abandonaram o clube: Buffon, Barzagli, Khedira e Dani Alves (todos titulares nesse jogo) e Marchisio (suplente utilizado), Bonucci também tinha saído, mas já estava de regresso. Dani Alves foi substituído por João Cancelo, os outros não tiveram um substituto à altura (não que não tenham sido contratados jogadores… só não resultaram).

Ronaldo começou a época na ala, passou para o meio como referência ofensiva (no lugar de Higuaín) e acabou a fazer dupla com Paolo Dybala, num 4x4x2/4x4x1x1. Marcou 28 golos e fez 11 assistências no total. Dybala, a principal referência ofensiva na época anterior (22 golos) eclipsou-se, marcando apenas 6 e voltando à inconstância dos anos anteriores, apesar de desempenhar um papel “semelhante”. As falhas defensivas, obrigaram Allegri a baixar o meio-campo e ,consequentemente, Dybala para ir buscar jogo, ficando mais longe do golo e dos terrenos onde se sente mais confortável, baixando de forma.

Mas o campeonato em Turim era dado como garantido e era na Champions que se esperava que Ronaldo fosse decisivo. Foi-o contra o Atlético de Madrid, onde depois de uma derrota por 2-0 na primeira mão, fez um hattrick para garantir o 3-0 e passagem à próxima fase, e quase foi contra o Ajax, marcando dois golos numa eliminatória que perderam por um total de 2-3, contra aquela que foi a equipa sensação da prova, numa segunda mão com dois erros defensivos inacreditáveis da Juventus (da defesa que perdeu Barzagli e Chiellini, por lesão, e não os substituiu). A desilusão da Champions acabaria por causar o despedimento de Allegri.

 

2ª época – Maurizio Sarri

Maurizio Sarri não foi, como já referi acima, a primeira escolha e isso refletiu-se. O plantel fora criado para Allegri, um treinador com quem tem pouco em comum e foi incapaz de pôr a equipa a jogar bem. Tentando replicar o “seu” Nápoles, Sarri tentou adaptar frequentemente jogadores a funções que não eram as suas e o resultado foi muito longe do esperado.

Sarri jogava num 4x3x3, semelhante ao do Nápoles, dando a Paolo Dybala a responsabilidade criativa e tornando Ronaldo a principal referência do ataque. Dybala não correspondeu (e passou a proscrito) e Ronaldo marcou 37 golos e fez 7 assistências em todas as competições. A equipa marcou mais 6 golos na liga que na época anterior, mas fez menos 6 pontos, com o Inter de Antonio Conte a ficar apenas a um ponto dos bianconeri.

A época nem começou bem para Ronaldo, com duas lesões e apenas 6 golos nos primeiros 15 jogos. Depois disso, 11 jogos consecutivos a marcar na liga, só parando na interrupção das ligas europeias pela pandemia.

Na Champions, mais uma vez, desilusão, com a Juventus a cair logo nos oitavos de final. Depois de uma derrota em Lyon por 1-0, a pandemia atrasou três meses a segunda mão, que começou com um penalty a dar vantagem aos franceses em Turim. Ronaldo marcou dois, mas a vantagem dos golos fora decidiu a eliminatória.

3ª época – Andrea Pirlo

Se a época anterior foi má, o que dizer de 20/21?

A equipa de Pirlo nunca pareceu ter um rumo. Uma aposta do Presidente (contra a vontade de Fabio Paratici) o maestro italiano mostrou não ter arcaboiço para comandar os destinos da Juventus, o que é normal, se considerarmos que foi a primeira experiência que teve como treinador.

O futebol da Juventus era previsível e facilmente anulável (como prova a eliminação da Champions pelo Porto de Sérgio Conceição, que deu um banho táctico ao técnico italiano). A espaços brilhava Chiesa ou Cuadrado nas alas e Ronaldo na frente, tendo marcado 34 golos e feito 4 assistências no total.

A Juventus de Pirlo não era ameaça para ninguém, quanto mais candidata à Champions. No campeonato, acabaram em quarto lugar, atrás de Inter, Milan e Atalanta, naquela que foi a pior época coletiva da Juventus.

 

Jogador certo altura errada

Nos últimos cinco anos houve uma mudança de mindset em Turim. Em vez das transferências a custo zero e das contratações cirúrgicas em Itália, começaram a apostar em grande, nas contratações de Higuaín, Ronaldo e De Ligt (todos acima dos 80 milhões) e vários outros jogadores por 40, numa aposta forte para se aproximarem da elite europeia. O plantel da Juventus tornou-se mais caro, mas nem por isso melhor.

As mudanças de treinador foram duas apostas falhadas, primeiro em Sarri, depois em Pirlo e a ida de Beppe Marotta para Turim, com um forte investimento e a trabalhar de perto com o treinador, criou um grande Inter, com menos dinheiro do que a Juventus gastou nas janelas seguintes à compra de Ronaldo.

Cristiano Ronaldo podia ter sido o jogador certo para a Juventus, se se tivesse mantido a política de contratações, se Allegri continuasse a ser aposta, se não houvesse tanta instabilidade no período em que chegou.

Ronaldo saiu, mas o problema mantém-se. Um plantel caríssimo, mas mal construído, com muitos jogadores que não servem para a Juventus. Ronaldo não foi um “all-in” (tanto que depois dele, gastaram mais 300 milhões), mas não deixou de ser um investimento gigante, que quando a par com vários erros de casting, colocou a Juventus numa situação complicada. Ronaldo coincidiu com uma série de maus investimentos, que fizeram com que o investimento em si não fosse capitalizado. Foi o investimento certo, na altura errada.

A presença de Ronaldo foi boa para a Juventus? Sim e não. Sim porque foi um grande jogador, marcou que se fartou, foi decisivo em muitos jogos e fez crescer muito a marca. Não, porque o investimento em si, acabou por não dar frutos e hoje a Juventus tem de pagar a factura. Foi um risco que não compensou.

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