O verdadeiro “Clube do Povo”

A pouco mais de 50km da glamorosa e vibrante Milão, ergue-se a cidade de Bérgamo, lar de gente simples, orgulhosa e trabalhadora, que afirma que se a sua cidade vizinha é tão bela, foi porque eles a construíram. Este é o mote de uma cidade que sabe ser o parente pobre da região mais rica de Itália, a Lombardia, mas que não esconde com orgulho as suas raízes, até na forma de falar que é conhecida e identificada em toda a Itália como o dialeto bergamasco.

Bérgamo é uma cidade discreta, que tinha tudo para ser esquecida pela maioria dos europeus, mas os feitos do clube local fizeram-na estar nos maiores palcos da Europa nestes últimos anos, um clube, que como as suas gentes é humilde, mas que conquistou os corações dos amantes de futebol por todo o velho continente, a Atalanta.

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A Atalanta é o clube do povo e em Bérgamo é quase uma religião, sendo inclusivamente conhecido como “La Dea” (a Deusa), em alusão à figura mitológica grega que dá nome ao clube. Estima-se que 90% dos bergamascos sejam adeptos da Atalanta e sempre que nasce uma criança na cidade, o clube oferece uma lata de leite em pó e uma camisola. Aos fins-de-semana, o Estádio Atleti Azzurri d’Italia enche-se para celebrar os heróis da terra, com bandeiras e cachecóis e se na rua se interpelar alguém e perguntar o que se passa a resposta é só uma: “É dia de Atalanta!”.

Todos os anos, no início da época, celebra-se a maior festa da cidade, a Festa della Dea, onde milhares de adeptos se juntam numa festa de apresentação onde os jogadores e equipa técnica chegam sempre de forma inesperada, seja de balão, grua ou trator. Para perceber a loucura deste dia, é só ver o vídeo abaixo.

 

A Atalanta habituou-nos a ser um clube de altos e baixos, oscilando entre a primeira e a segunda divisão desde os anos 90. Em 2010, o antigo jogador do clube Antonio Percassi (que tinha sido presidente do clube entre 1990 e 1994) regressa à liderança do clube e começa um período de transição que leva ao período actual.

O clube começou a apostar em jovens locais, privilegiando a formação e jogadores que tenham o ADN do clube. No treinador, acertou à terceira tentativa (depois de Coluantono e Reja), com a aposta em Gian Piero Gasperini. O início nem foi prometedor, com quatro derrotas nos seis primeiros jogos, até que contra o Nápoles, Gasperini, muda de um 4x2x3x1 para um 3x5x2 e faz alinhar de início os jovens Roberto Gagliardini, Mattia Caldara e Andrea Conti, vencendo com um golo solitário de Andrea Petagna. A partir daí, a nova táctica e a confiança nos jovens levaram a Atalanta ao 4º lugar da Serie A. Desde então, a Atalanta é uma presença assídua no topo da tabela e regularmente o melhor ataque, onde brilhavam jogadores como Papu Gomez, Josip Ilicic e mais recentemente os colombianos Dúvan Zapata e Luis Muriel.

Mas mais do que uma táctica, com Gasperini a Atalanta voltou a ser bergamasca, não só pela aposta em jogadores locais, mas porque voltou a ter o ADN da cidade: são trabalhadores, lutadores e inventivos. Não há uma estrela que se destaque, não há contratações caras como nos vizinhos de Milão. Não há ordenados faraónicos, nem vedetas. Há um grupo esforçado e dedicado, que se tornou uma máquina muito bem oleada, capaz de fazer frente a plantéis muito superiores, no papel.

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Desde que chegou Gasperini, a Atalanta apenas por duas vezes gastou mais do que aquilo que ganhou no mercado de transferências, sendo o saldo total muito positivo. O foco são jogadores jovens e as substituições de jogadores não são feitas quando estes saem. Antes de Papu Goméz sair, Malinovsky foi contratado, antes de Cristante ser vendido, já Matt de Roon lá estava, pronto a ocupar o lugar e por aí fora. Nenhum jogador sai, sem ter já um substituto à altura no plantel e as épocas são preparadas com antecedência e não há contratações motivadas por pânico ou desnecessárias, para agradar aos adeptos, para vender camisolas ou com outros interesses. Enquanto os adversários gastaram milhões, aos 20 e 30 de cada vez, a Atalanta apenas em Luis Muriel gastou mais de 20 e ainda assim, superou-os a todos, num ano ou no outro. Não é um clube gerido para dar milhões, é um clube gerido para dar orgulho aos seus adeptos… os milhões vêm naturalmente depois disso.

Naquela que foi provavelmente a cidade europeia mais afetada pela pandemia, tendo sido o epicentro da primeira vaga no Velho Continente, o futebol foi o escape que manteve a sanidade mental a muitos. Enquanto famílias eram desfeitas, a Atalanta dava uma réstia de alegria aos seus adeptos e no regresso aos estádios, os seus adeptos não deixaram essa alegria ficar esquecida.

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Antonio Percassi devolveu o clube aos bergamascos… Gasperini devolveu-lhes o orgulho. O futebol é muito isto!

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