Seleção: O Plano B

Portugal tem hoje uma oportunidade de ouro de começar a preparar o seu futuro por forma a ser relevante e um sério candidato à vitória no Mundial do próximo ano. Porquê hoje? Porque a Seleção tem a oportunidade de jogar sem a sua principal referência, dentro e fora das 4 linhas, e terá de descobrir um sistema ofensivo que não se limite a passar a Cristiano Ronaldo, seja de que forma for, e esperar que este resolva. Esse parece ser o plano A, C, D, E, F, G, H, I… e Z de Fernando Santos para todos os encontros, independentemente da dificuldade do adversário. Há cada vez menos adeptos deste plano de jogo, não há português que não esteja já cansado de ver uma Seleção com tanto talento apresentar um futebol tão triste, tão sem ideias, tão pouco inovativo e tão esbatido como o nosso. Adaptando a célebre frase de Winston Churchill à realidade da Seleção do presente: “Nunca tanto talento, jogou com tão pouco para agrado de tão poucos”. Está na hora de encontrar uma alternativa. O tal Plano B. B de Bruno. B de Bernardo.

 

Vamos recuar um pouco no tempo. Lembram-se quando foi a última vez que vos deu prazer ver a Seleção jogar? Não, não foi em 2004, nem em 2000, já jogámos bem depois disso. Se respondeste 2016, também erraste, aí deu prazer o resultado final, mas Deus me livre de rever o futebol do Moreirense nas Quinas. A resposta que procuram é 2018, durante a qualificação para a primeira edição da Liga das Nações. E logo num grupo que tinha a atual campeã europeia, que Portugal bateu por 1-0, antes de ir à Polónia ganhar por 2-3 ao Lewandowski e amigos, e ir a Itália garantir o apuramento com um empate a zero, para fechar o grupo também com um empate em casa (1-1), frente à Polónia.

Ainda se lembram da equipa que ganhou  à Itália?

 

O jogo foi equilibrado, mas Portugal jogou muito bem, já no segundo jogo, contra a venenosa Polónia ganhámos por 2-3 e fomos completamente esmagadores. O resultado não expressa o quão superiores fomos, mas as estatísticas talvez o mostrem.

 

Nunca como nessa altura vi esta Seleção descontraída, com processos simples e toda envolvida, mas a explicação é dada facilmente por coisas que saltam logo à vista nestes XI’s iniciais.

– A ausência de Cristiano Ronaldo

– Os grandes jogos de Bernardo Silva

– A estranha não inclusão de Bruno Fernandes em  nenhum.

Comecemos pelo inicio, Cristiano Ronaldo acabado de se mudar para Turim pediu para não ser convocado para a fase de apuramento da Liga das Nações, para ter mais tempo de habituação ao seu então novo, agora ex, clube.

 

A ausência de Cristiano Ronaldo de tantos jogos cruciais obrigaram Fernando Santos e os restantes jogadores da Seleção a procurar respostas e soluções alternativas para a estratégia ofensiva. A solução natural foi a seguinte: André Silva passa a ser o novo homem-golo e Bernardo Silva o motor de toda a construção ofensiva. Resultado? Perfeito. Bernardo vinha de uma grande época no Manchester City transportou a filosofia de Guardiola para a Seleção e acabou como jogador com mais assistências e melhor do torneio para a UEFA. Quanto a André Silva, fez de Ronaldo, se é que isso e possível. Portugal marcou 5 golos na fase de apuramento. 3 foram do André. Pedir mais era difícil.

 

Nunca nenhum dos dois jogou tão bem por Portugal e é deveras importante que recuperemos ambos nessa forma e nessa vontade se queremos ter uma palavra a dizer no Qatar. André Silva evoluiu desde então para níveis que nem se pensava possíveis, foi o segundo melhor artilheiro da Bundesliga o ano passado, e um dos 5 melhores da Europa e Bernardo, embora esteja um pouco abaixo do registo de então, continua a ser um dos mais influentes médios da Europa. É um luxo vê-lo jogar.

 

A outra solução passa, obviamente, pelo papel de Bruno Fernandes na equipa. O homem que há uns anos foi o médio mais goleador da Europa e chegou viu e (quase) venceu em Manchester, onde era, consensualmente, o melhor jogador do plantel até à chegada de um outro português, tarda em afirmar o seu futebol na Seleção. Esperemos que hoje, com mais tempo, mais liberdade e mais espaço consiga fazer uma exibição do nível das que faz em Old Trafford, daquelas tão inequívocas que não deixem margem para dúvidas sobre o que deve mudar daqui para a frente no futebol de Portugal: sim, estou a falar de Cristiano Ronaldo.

 

O capitão português funciona neste momento como bênção e maldição. É o melhor jogador português de sempre, um dos melhores de sempre do desporto e a sua presença em campo afecta até mentalmente todos os adversários que contra nós jogam. A arma com que podemos sempre contar em caso de aperto, como aconteceu contra a Irlanda. O pior? É que muitas vezes poderíamos não ter esse aperto se a sua importância fosse diminuída e a Seleção jogasse mesmo como um conjunto de atletas em prol de um país, e não como um país que se une para beneficiar um atleta. Há um lance de Francisco Trincão há poucos jogos que é o paradigma disto. Recebe uma bola isolado na área e, apenas perante o guarda-redes… levanta a cabeça e procura Ronaldo em vez de rematar. O passe é intercetado. A atitude pouco natural em qualquer jogador e pior ainda num de características ofensivas como o jogador do Wolves espelha bem as instruções recebidas: chutar só em último caso, se o capitão não estiver em melhores condições de o fazer. É por isso que Ronaldo bate todos os livres e penáltis, apesar de, pelo menos, Raphael Guerreiro, Bruno Fernandes e Sérgio Oliveira terem melhores estatísticas que o nosso número 7 em ambos os campos. É por isso que jogadores que são estrelas nos seus clubes, se sentem amarrados na Seleção e não brilham, para que brilhe sempre o mesmo. Ganha Ronaldo, perdemos todos.

 

A pergunta a fazer é: será que Ronaldo ganha mesmo mais no actual modelo? Ter dois dos melhores jogadores do mundo diminuídos e a contribuir muito abaixo do que podem, não será prejudicial para Ronaldo? Bruno Fernandes e Bernardo são dois dos principais municiadores da Europa, com liberdade para jogarem, onde, como gostam e sabem, quantas mais oportunidades criariam para o melhor finalizador da Europa? É isto que quem gere a Seleção, onde sabemos bem quem manda, tem de perceber. Se calhar o melhor para o capitão é mesmo não aparecer tanto e deixar que outros apareçam, porque no fim do dia, um título colectivo e o levantar de uma taça, fazem muito mais pela sua memória global e a sua eternização  do que o número de golos marcados. Quantos golos marcou Maradona no Mundial de 86? Pois, ninguém se lembra, mas todos sabemos quem o ganhou, não foi? É esta a mensagem que é preciso passar à equipa próxima de CR7, para que, com jeitinho talvez ele a compreenda e dê as instruções ao Fernando Santos. Está na hora de assumir o plano B. Sem isso, nada feito!

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