Weigl: Problema ou solução?

Em janeiro de 2020, num movimento de mercado incomum no futebol português, o Benfica contratava um jogador titular de um dos “tubarões” do futebol europeu. Julian Weigl chegava do Borussia Dortmund, tendo sido titular em 12 dos 17 jogos da Bundesliga e em 4 dos 6 jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões, para além de ter feito os 90 minutos na Supertaça ganha ao Bayern no início da época.

Benfica: eficácia total de Weigl nos passes longos na Mata Real |  MAISFUTEBOL

Internacional AA pela seleção alemã em 5 ocasiões, com 171 jogos disputados ao serviço do Dortmund e apenas 24 anos, Weigl era uma contratação soberba no papel. Mesmo considerando a realidade do futebol português, o valor elevado da transferência, 20 M€, não parecia exorbitante, atendendo ao seu potencial para render desportivamente no presente e financeiramente no futuro.

Por esta altura, o Benfica de Bruno Lage, campeão nacional em título, liderava o campeonato com 4 pontos de vantagem sobre o FC Porto. Bruno Lage dispunha a sua equipa num 4-4-2 clássico, em que o médio centro da “meia-direita” tinha missões mais defensivas e o médio centro da “meia-esquerda” tinha mais liberdade atacante. Vários jogadores foram ocupando estas posições ao longo dos primeiros meses da temporada e várias duplas foram testadas: Florentino e Gabriel, Florentino e Samaris, Florentino e Taarabt, Fejsa e Taarabt, Fejsa e Gabriel, novamente Florentino e Gabriel. Nenhuma convenceu. Apesar da excelente série de resultados no campeonato, o desempenho na Liga dos Campeões fora fraco e as exibições não agradavam. No mês de dezembro, o rendimento melhorou e a equipa parecia estar a estabilizar aquando da paragem natalícia. Nesta fase da época, a dupla de médios-centro era composta por Gabriel e Taarabt, desde o jogo em Leipzig, no final de novembro.

Chegava então Weigl, a típica contratação para “pegar de estaca”. E o que poderia ele trazer aos encarnados? O alemão destacara-se desde muito jovem no Borussia pela simplicidade de processos na 1ª fase de construção ofensiva, pela tomada de decisão, pela qualidade de passe, especialmente a curta distância, pela valorização da posse e pelo posicionamento irrepreensível, constantemente oferecendo linhas de passe e coberturas ofensivas aos colegas. Foi este conjunto de características que o fez chegar à seleção principal alemã ainda antes de completar 21 anos e que originou as comparações (exageradas) com Sergio Busquets.

Julian Weigl era garantia de um futebol com mais ordem. Mais pensado, menos vertiginoso. Ora este era precisamente um dos problemas da equipa de Bruno Lage, sobretudo quando a bola chegava aos pés de Taarabt, mas também de Cervi (titular por esta altura) e de Rafa, que voltaria de lesão a meio de janeiro para assumir a posição de 2º avançado (até aí ocupada por Chiquinho). Voltando ao marroquino, a insistência em passes de risco elevado originava diversas perdas de bola, as quais não raras vezes apanhavam a equipa descompensada e impreparada para a transição defensiva, momento do jogo em que a equipa já de si estava mal trabalhada. Dito isto, foi sem surpresa que o novo reforço foi imediatamente lançado na equipa titular, acompanhado ora de Gabriel ora de Taarabt.

Contudo, depois de um mês de janeiro onde tudo parecia continuar a correr sobre rodas e em que o líder do campeonato inclusivamente até aumentou a vantagem para 7 pontos (fruto de 18 vitórias e 1 derrota em 19 jogos), derrotas consecutivas frente a FC Porto (no Dragão) e Braga (na Luz) reabriram a luta pelo título e a época do Benfica ruiu como um castelo de cartas. Acrescente-se que estas duas derrotas foram entrecortadas com um empate em Famalicão que garantiu o apuramento para a final da Taça de Portugal, mas no qual Bruno Lage provavelmente deveria ter ido mais longe na rotatividade que (quase não) promoveu. A partir daí, a equipa encarnada entrou numa espiral negativa e quando o coronavírus parou o futebol (e o Mundo) em meados de março, já o Benfica tinha sido eliminado da Liga Europa pelo Shakhtar e acumulara pontos perdidos (e penalties falhados) no campeonato, que lhe custaram a liderança.

O que teria levado a tamanho colapso? Porque é que uma equipa que ganhava quase sempre e tinha o título “no bolso”, no espaço de um mês e meio se tinha transformado numa sombra de si própria, descrente, com uma qualidade de jogo abismal e quase incapaz de vencer uma partida? Para além dos culpados habituais – árbitros, treinador e a Direção que não colmatara convenientemente as lacunas do plantel no mercado de inverno -, os holofotes apontavam para um jogador: Julian Weigl. Afinal, o alemão chegara com a época em andamento, numa altura em que a equipa ganhava, assumiu logo a titularidade e pouco tempo depois tudo mudou. Os rumores de mal-estar no balneário causado pela aposta “cega” no reforço e pelo alegado ordenado desajustado face aos colegas circulavam insistentemente. E, em cima de tudo isto, as suas exibições eram pouco convincentes: Weigl parecia um peixe fora de água no 4-4-2 clássico, era demasiado “macio” a defender e limitava-se a jogar “para trás e para o lado”. A viver a primeira experiência fora do seu país e com uma personalidade aparentemente tímida (pelo menos dentro do campo), o jovem alemão parecia estar a sentir dificuldades de adaptação a uma nova realidade. Em campo passava a imagem de um atleta que não arriscava um milímetro, talvez pelo receio de cometer um erro que comprometesse a equipa, na qual era “o jogador novo”.

Não obstante o seu rendimento ter efetivamente deixado a desejar nos primeiros meses, especialmente dadas as expetativas criadas, Weigl foi também vítima de alguma incompreensão, não só por parte de uma franja considerável dos adeptos benfiquistas, como também de alguma crítica especializada. Isto porque muitos queriam que o alemão fosse algo que simplesmente não é: um “trinco” todo-o-terreno, muito agressivo defensivamente, exímio no desarme e na recuperação de bola, na linha de Fejsa, Matic (ainda que este juntasse outras características, o que também explica a carreira que fez) ou Javi García. Já que a equipa “abre crateras” no corredor central do meio-campo e tem muitas deficiências na transição defensiva, então que isso seja resolvido pelo médio-defensivo contratado no mercado de inverno por 20 M€, certo? Errado!

Javi García: «Benfica valeu a pena, dei um salto importante» | MAISFUTEBOL Matic admite sair do Benfica para o Chelsea - Desporto - Correio da Manhã Ljubomir Fejsa está de saída do Benfica e já tem destino

Confusos? Eu explico melhor: o Benfica precisava de reforçar o meio-campo e investiu bastante num jogador de topo para o futebol português, mas contratou um tipo de médio-defensivo inadequado para o problema que tinha em mãos. O jogador certo, à hora errada.

Depois de 3 meses de paragem devido à pandemia, o futebol voltou em junho de 2020. Nada se alterou no Benfica e a equipa arrastou-se até final da época. De permeio, Bruno Lage foi demitido já com o título quase perdido e as águias perderiam ainda a final da Taça de Portugal, já com o interino Nélson Veríssimo ao leme.

Nova época, esperanças renovadas. Regressou Jorge Jesus, conhecido por “potenciar” os jogadores que ocupam a posição “6”. Se por um lado Weigl não era o típico médio-defensivo que normalmente agradava ao técnico, por outro lado se havia alguém que podia “transformar” o alemão, esse alguém era JJ. A época 2020/21 foi terrível a todos os níveis para o clube da Luz, mas progressivamente as exibições de Julian Weigl foram convencendo tudo e todos, ao ponto de o alemão ser sistematicamente considerado o “melhor em campo” da sua equipa. E sem surpresa, venceria o Galardão Cosme Damião para Futebolista do Ano.

Benfica Prémio Futebolista do Ano Weigl - SL Benfica

Há um ano era gritante a necessidade do Benfica reforçar a nevrálgica posição de 2º médio, uma vez que Taarabt, Pizzi ou Gabriel não pareciam talhados para desempenhar a função ao gosto do novo treinador, no seu predileto 4-1-3-2. Foi realizado um investimento sem precedentes em Portugal em contratações como Darwin Núñez, Everton, Pedrinho, Waldschmidt, Vertonghen ou Otamendi, mas não chegou ninguém para o meio-campo. Toda a época passou sem que a lacuna fosse preenchida, com os resultados que se conhecem e nem mesmo a aposta no 3-4-3 – após a chegada de Lucas Veríssimo no final de janeiro do presente ano – serviu para esconder o problema.

Agora o cenário é manifestamente diferente. Depois de pequenos ajustes (Rodrigo Pinho e Gil Dias), a prioridade de mercado está centrada no reforço do meio-campo. João Mário já foi oficializado e certamente irá ainda chegar mais um centrocampista (o líbio Al Musrati, do Braga, tem sido o nome mais falado).

E onde fica Julian Weigl no meio de tudo isto? Qual a melhor forma de continuar a potenciar o melhor jogador dos encarnados na temporada passada, quando se avizinha a entrada na equipa de novos colegas de setor?

Ora, assumindo que o alemão permanece no clube, uma vez que não creio que surjam propostas suficientemente tentadoras para que o Benfica abdique dele, antevejo 3 cenários possíveis:

1) João Mário assume a posição “8”, mantendo-se Weigl como médio mais defensivo. Não chega mais nenhum médio-centro potencialmente titular. João Mário seria sem dúvida um enorme upgrade face a Taarabt, mas os problemas defensivos já elencados subsistiriam, tanto em 4-1-3-2 como em 3-4-3. Além do mais, não creio que Weigl e João Mário possam funcionar como dupla de médios-centro, a equipa ficaria com um défice acentuado de “músculo” no corredor central.

 

2) Jorge Jesus retorna ao 4-1-3-2 e, à semelhança do que fez no Sporting em 2015/16, utiliza João Mário como médio interior direito, um falso médio-ala. Weigl continua como médio-defensivo. A equipa ganha organização, mas perde largura do lado direito. Cenário plausível, mas que exige a contratação de um box-to-box forte fisicamente, com capacidade de chegada na área e “com golo”, algo que não corresponde ao perfil do supracitado Al Musrati.

 

3) Jorge Jesus mantém o 3-4-3, mas recua Julian Weigl para defesa-central “do meio”. Este é o cenário no qual me revejo e que, a meu ver, melhor potencia as características dos jogadores que o Benfica tem ao seu dispor. Senão vejamos:

– Weigl fica com liberdade para fazer o que faz melhor: iniciar a construção ofensiva. Desta forma, poderá fazê-lo mais atrás, sem ter 3 defesas centrais atrás de si, o que limitava o alemão e encurtava demasiado a equipa;

– Otamendi deriva para central-esquerdo, ocupando o lugar de Vertonghen. O belga já está longe dos seus tempos áureos e o seu défice de velocidade expõe demasiado a equipa quando esta joga com uma linha defensiva alta, o que acontece em 90% dos jogos;

– O esquema de 3 centrais ajuda a mitigar as debilidades defensivas dos laterais Diogo Gonçalves e Grimaldo;

– João Mário assume a sua posição natural no centro do terreno, ao lado de um médio fisicamente forte que o complemente (como aconteceu com João Palhinha na época transata). Depois da contratação do ex-Sporting, deveria residir neste reforço – por exemplo, Al Musrati – a grande prioridade para o que falta do mercado de transferências do clube da Luz (para além de um guarda-redes, na minha opinião, mas isso é outro tema);

– No ataque há diversas soluções interessantes para as 3 posições: Rafa e Waldschmidt mais pela direita; Everton e Darwin mais pela esquerda; Carlos Vinícius e Seferovic como referência de área.

Benfica Want At Least €25m For Inter, Juventus & AC Milan Linked Julian Weigl, Portuguese Media Report

Ultrapassadas as dificuldades de adaptação e a desconfiança inicial dos adeptos, Julian Weigl assumiu-se como o jogador mais importante do Benfica, mesmo sem dar nas vistas naquilo que os adeptos normalmente mais valorizam: os golos, os dribles ou a “intensidade”. “A forma é temporária, mas a classe é permanente”. E jogadores com elevado QI futebolístico, como é o caso de Weigl, irão sempre aproximar a sua equipa do sucesso.

 

 

 

Comentários
Loading...