Três cartazes fora da liga: Ben Simmons

Parte 2/3

Caros amantes da bola laranja,

Após a nossa análise da ausência do Zion Williamson, razões e implicações para ele e para a equipa, aqui vai o segundo artigo, desta feita, sobre o Ben Simmons.

 

Imagine um jogador… 25 anos, 2,11m, 109kg, a jogar na posição de point guard, mas capaz de defender 1-through-5. Imagine este jogador, com 4 temporadas efectivas na Liga. Na primeira foi Rookie do ano, nas restantes foi All Star; Nas duas últimas esteve na NBA All Defensive First Team, e na última foi segundo classificado na votação para Defensive Player of the Year (DPOY). Estatísticas de carreira? 15,9 pontos, 8,1 ressaltos, 7,7 assistências, 1,7 roubos de bola, 0,7 bloqueios. No papel, este jogador tem tudo para ser extremamente cobiçado. Então porquê que Ben Simmons continua sem aparecer em campo pelos Philadelphia 76’ers esta temporada?

 

 

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É difícil imaginar, mas vamos contar-vos uma novela com mais drama que as mexicanas, que está a ocorrer agora na NBA, e da qual o protagonista é este jogador, que tem QUASE tudo para ser dos melhores do mundo neste momento.

 

Vamos começar pelos Playoffs de 2021. Os Sixers, primeiros classificados da Conferência Este, enfrentaram os Wizards na primeira ronda. Vitória 4-1. Uma série sem história. Ou quase. Ben Simmons fez os jogos que tinha que fazer, sendo uma das âncoras defensivas da equipa. Acabou o primeiro jogo da série com 15 ressaltos, 15 assistências e… 6 pontos?!? Sim. Seis pontos. 0/6  da linha de lances livres, 0/1 da linha de triplos. Bem… Um jogo ofensivo mais fraco que o habitual, mas compensou largamente de todas as outras formas possíveis. No segundo jogo, já pareceu mais o Ben Simmons que conhecemos: 18 pontos, 9 ressaltos, 8 assistências. Desta vez, 0/0 da linha de lances livres, 0/0 da linha de triplos. Mas os Sixers ganharam bem, 120-95, o que importa que a segunda opção ofensiva da equipa tenha sacado ZERO faltas com direito a lances livres num jogo de Playoffs…? Jogo 3, nova vitória dos Sixers, Ben Simmons acabou com 27 pontos, 9 assistências, 5 ressaltos. 0/0 da linha de lances livres, 0/3 da linha de triplos. Começam a ver um padrão, aqui? Nos dois últimos jogos da série, marcou 10 lances livres em 19 tentativas. Um grande total de 35,7% para a série inteira, pouco mais do que metade dos seus 61% em temporada regular. Mas os Sixers ganharam, e seguiram plenos.

 

 

Segunda ronda, Atlanta Hawks. TraeYoung, o pequeno e endiabrado base usou todas as suas armas e mais algumas para vencer o primeiro jogo, apesar dos 39 pontos de Embiid. Ben? 17 pontos, 10 ressaltos, 4 assistências, 0/0 dos 3 pontos, 3/10 da linha de lances livres. Se a primeira ronda ensinou alguma coisa aos adversários dos Sixers, foi que deveriam explorar ao máximo a fraqueza de Simmons nos lances livres, exercício em que ele esteve claramente aquém do seu desempenho habitual. E funcionou. Ben falhou imenso, e perdeu confiança. Resultado: hesitação em levar avante qualquer jogada ofensiva no crunch time, o momento de decisão, o fim dos jogos. Pior! A insegurança foi de tal ordem que nos últimos 5 jogos da série (que foi a 7 jogos), Simmons lançou ZERO VEZES ao cesto no 4º período. ZERO LANÇAMENTOS NO ÚLTIMO QUARTO EM 5 JOGOS!

 

A jogada emblemática deste problema foi quando, no jogo 7, Simmons passou a bola a Matisse Thybulleem vez de atacar o cesto, quando tinha à frente Trae Young, um jogador consideravelmente mais pequeno.

 

 

Depois do jogo, a conferência de imprensa não ajudou em nada a situação. Por um lado Embiid, aponta esse como o momento de viragem do jogo, que levou à derrota e à eliminação; por outro lado, quando interrogado se Ben Simmons tinha nível para ser o point guard titular de uma equipa com ambição de título, o treinador Doc Rivers respondeu “eu não tenho a resposta a essa pergunta”, desacreditando publicamente o seu jogador. O que os americanos chamam “atirar para debaixo do autocarro”; Simmons sentiu que foi atirado para baixo das rodas de um camião TIR de várias toneladas, e os culpados disso foram, nada mais, nada menos, que o seu treinador e o seu colega de equipa, com quem a adaptação ao estilo de jogo não foi fácil desde o início.

 

Vejamos: Embiid é um poste. Um center, com tamanho e moves para dominar qualquer adversário no garrafão. Ben Simmons é um base sobredimensionado, capaz de jogar qualquer posição de 1 a 5, e sobretudo capaz de defender qualquer jogador de 1 a 5… mas que não lança de fora. Simmons faz o essencial dos seus lançamentos no garrafão, a esmagadora maioria sendo floaters, layups e dunks.

Shot Chart de Ben Simmons por época

 

Mas lá está: se o point guard joga essencialmente dentro, isso obriga o poste a jogar muito mais fora do que este gostaria, e Embiid tem executado, ainda que contrariando a sua natureza e o seu jogo. Não sendo nenhum atirador de elite, Embiid tem tido um desempenho mais que respeitável, tanto fora do garrafão, como para lá da linha de 3 pontos. Mas não é aí nem dessa maneira que ele é mais impactante, e todo o mundo o sabe, Simmons inclusive.

Shot Chart de Joel Embiid por época

 

O verão foi portanto uma temporada difícil para Ben Simmons. Abandonado pelo treinador e pelos colegas, apontado como o bode expiatório pelos fãs, o prodígio que era comparado a Magic Johnson quando entrou na liga tardou a fazer progressos, e viu estes playoffs marcarem um enorme retrocesso no seu desempenho em campo. Se adicionarmos a isso o facto de, desde a temporada anterior o seu nome estar associado a possíveis trocas (já que é consensual que a sua combinação com Joel Embiid coloca um pequeno problema de spacing aos Sixers, e o camaronês é a aposta da equipa para franchise player)… A confiança do jogador não estava no seu auge. Alguns dirão que Ben só se pode culpar a si próprio. Outros jogadores fazem progressos imensos nos lançamentos durante o verão para poderem diversificar o arsenal ofensivo, como é que ele, tão talentoso, não consegue melhorar o seu desempenho? Bloqueio mental? Dificuldade a sair da zona de conforto? Seja qual for a resposta, a verdade é que Simmons parece mais preocupado com a maneira como os outros feriram o seu frágil ego, do que em focar-se nas suas fraquezas, trabalhar nelas e tornar-se o jogador completo que todo o mundo acreditou (sim, passado…) que ele viria a ser.

 

Assim que acabou a temporada, a situação do jogador começou a desenhar-se. Simmons renunciou a participar nos Jogos Olímpicos com a Austrália para “se focar no desenvolvimento de habilidade individuais”, não conquistando assim a medalha de bronze. O seu agente, Rich Paul, foi falar com o front office de Filadélfia para falar do “futuro de Simmons no seio da organização”. Parecia claro para todo o mundo que ele já não se sentia suficientemente motivado para jogar nesta equipa, e apesar de não ter intenções de se separar de um dos melhores jogadores defensivos da Liga, os Sixers ponderaram olhar para algumas propostas e cenários de troca. Porém, nenhuma pareceu vantajosa o suficiente, pelo que decidiram mantê-lo na equipa.

 

Não, Ben Simmons não estava ‘contente’ por ver os colegas, aquilo é mesmo um telemóvel

Finalmente, Ben pediu publicamente para ser trocado o quanto antes, de preferência para “uma das equipas da Califórnia (!)”. Bateu o pé, disse que não jogaria mais pelos Sixers. E assim fez. Começou o training camp, e não houve sinal dele no Media Day, o dia de apresentação da equipa aos media, de fazer as fotos oficiais, etc. Apesar de Embiid ter expressado diante das câmaras que queria ver o colega de novo ao seu lado, e que ele não podia ser individualmente culpabilizado pela eliminação da equipa, Ben não quis saber de nada. Ficou de fora do training camp inteiro. Pré temporada: ausente dos primeiros jogos. Quando finalmente se apresentou, foi com uma atitude diletante, treinando com o telemóvel no bolso, recusando-se a acatar as ordens do treinador, o que acabou por levá-lo a ser expulso dos treinos por Doc Rivers, e suspenso por um jogo.

 

Começou a temporada regular, Ben estava sob suspensão, não jogou o primeiro jogo. A equipa contava com ele no segundo, mas ele declarou não ter “condições mentais para jogar”. Depois de um período de tolerância, a equipa começou a multar o jogador, pois o mesmo não conseguia apresentar relatórios médicos atestando a sua incapacidade psicológica de jogar, e pura e simplesmente recusou trabalhar com a equipa médica e com os psicólogos dos Sixers.

 

Não é para menos, a situação de Simmons é de levar as mãos à cabeça

 

Diante deste cenário de total intransigência, os Sixers decidiram multar Simmons por cada ausência não-justificada a qualquer actividade da equipa à qual ele está contratualmente obrigado a participar. Não sei ao certo em quanto vão as multas, mas acredito que sejam altas o suficiente para qualquer um deixar o ego de lado e voltar. Mas Simmons não o fez, nem o fará, aparentemente. Diz não ter condições psicológicas para jogar, e não é difícil de acreditar. Mas chega uma altura em que não basta dizer “eu tenho um problema”, é preciso dar passos no sentido da sua resolução. E é isso que não sabemos se Simmons está ou não a fazer. Estará a treinar? A consultar um psicólogo? A ter acompanhamento para melhorar o que quer que o tenha bloqueado até aqui para o impedir de lançar de 3 pontos (5/32 em 4 temporadas!) ou que o tenha afectado ao ponto dos seus lances livres terem baixado em eficiência de quase 50% durante os Playoffs?

 

O australiano é um homem cada vez mais isolado em Filadélfia

 

Numa altura em que o mundo do desporto está cada vez mais consciente dos problemas que podem atravessar os atletas, e da importância de privilegiar a saúde mental acima dos contratos de milhões, não nos podemos permitir julgar Ben Simmons como se de uma mera birra se tratasse. Ele tem um contrato de 177 milhões de dólares para 5 anos, e é suposto ganhar 33 milhões esta temporada. Nenhuma birra justifica alguém correr o risco de perder uma fortuna destas. TEM que haver uma razão séria por detrás desta recusa de Simmons jogar pelos Sixers. Não sabemos a que ponto a sua frágil situação no seio da equipa depois da eliminação nos Playoffs mexeu com a cabeça do rapaz. Temos todos necessidades diferentes em termos de reconhecimento, de encorajamento. Nem todos reagimos da mesma maneira a diferentes estímulos, à pressão. E pelo que já vimos, este problema de lançamento de Ben Simmons, que acabou por afectar a sua confiança e desempenho geral, sobretudo no fim dos jogos, já vem de longe. O homem tem 5 triplos marcados em 4 temporadas regulares de NBA. É o número mais baixo de sempre para um base titular. Torna-se ainda mais preocupante no basket moderno, em que as equipas vivem cada vez mais dos lançamentos de fora. Para além da defesa, que é o ponto mais forte do jogo de Simmons, as equipas NBA precisam de atacar a 5. Se um dos jogadores é facilmente neutralizado se deixado na periferia, cria um desequilíbrio e desvantagem para a sua equipa. Sobretudo um titular, tão importante, e com o tempo de jogo de Ben.

 

Tyrese Maxey a gozar o seu novo estatuto junto dos 76’ers

 

Se quisermos comparar, Tyrese Maxey, o base titular de Philly actualmente, ao passar de 15 para 35 minutos por jogo, passou a sua produção ofensiva de 8 para 18 pontos por jogo, e isto estando apenas na segunda temporada na NBA. Em 21 jogos como titular esta temporada, Maxey tem 26 triplos marcados em 69 tentativas (37.7%) e 88% de sucesso nos lances livres, para médias de 18 pontos, 5 assistências e 3.8 ressaltos por jogo. Está longe de ser o all-around player que é Simmons, mas está a revelar-se capaz num departamento onde este começou desde cedo a mostrar debilidades, e pior, mostrou-se incapaz de evoluir em 4 anos. É evidente que a produção defensiva dos dois não é comparável, e os Sixers precisariam de Simmons para estar numa posição melhor na tabela, hoje (estão em nono lugar na Conferência Este, com 11 vitórias e 10 derrotas).

 

O Este está mais forte que o Oeste pela primeira vez em décadas, e por enquanto existe muito pouca diferença entre as 11 primeiras equipas da tabela (todas acima de 50% de vitórias). Mais para a frente, sobretudo em duelos entre favoritos, essas diferenças vão se acentuar, e é nesse momento que os Sixers terão necessidade de contar com a expertise defensiva de um jogador como Ben. Mas isso só poderá ocorrer se este fizer o caminho necessário para compreender (e dar a compreender) e corrigir os seus problemas actuais. Porque ainda que não seja nos Sixers, Ben tem uma longa e promissora carreira à sua frente. Mas para isso, é preciso que ele se mostre capaz de lidar com os problemas de forma adulta e responsável, pois nenhuma equipa vai correr para recuperar um contrato de 33 a 35 milhões de dólares/ano para ter um jogador com quem não sabe se pode contar. É urgente que Simmons comunique, que Simmons ultrapasse os seus bloqueios (ou pelo menos se ponha no caminho para), pois a temporada já fechou o seu primeiro quarto, e o seu marcador continua virgem. E passar de Top 10 para nem sequer mencionado não é difícil, sobretudo se constatarem que quem lá está consegue dar conta do recado…

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